sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ravel - Concerto para Piano em Sol Maior (Orchestre de la Suisse Romande, 04 de maio)

Maurice Ravel (1875-1937),

francês com forte sangue espanhol (fato que se refletiu em obrar como a Rapsódia Espanhola e o Bolero), é o compositor do Concerto para Piano em Sol Maior que ouviremos nesta semana. De temperamento reservado e, ao mesmo tempo, boêmio, chegava em casa de manhã, e frequentemente se encontrava, na escada, com seu irmão que já estava saindo para trabalhar. Dizia que sua sorte era saber fazer “um pouco de música”, senão não teria de que viver. Quando foi passar uma temporada nos Estados Unidos, apaixonou-se pelo Jazz e ficava por horas ouvindo Louis Armstrong. Não ouviu o 'conselho' do nosso Carlos Lyra e não se virou para poder se livrar da influência do jazz. Ao contrário, essa influência se faz presente em sua obra, inclusive no concerto para piano.
O próprio Ravel queria estrear seu concerto. Porém, problemas de saúde causados por fadiga o impediram de realizar esse intento. A estréia, em 14 de janeiro de 1932, sob sua regência, ficou a cargo da pianista Marguerite Long, que havia encomendado um trabalho a Ravel. O compositor, aliás, dedicou a ela o concerto.
Dizer que Ravel é um grande orquestrador é chover no molhado. Está aí de prova o seu Bolero, que é, praticamente, 'só' orquestração. No concerto para piano, há belíssimos momentos em que o piano 'reina' sozinho (como no início do segundo movimento) e momentos de rica orquestração.
Das interpretações que vi e ouvi, a que mais me tocou foi a da dupla Arturo Benedetti Michelangeli e Sergiu Celibidache.
O concerto para piano de Ravel começa, literalmente, com uma chicotada. Em seguida (ou quase simultaneamente), piano e piccolo entram com um dueto um tanto 'etéreo'. Outros instrumentos entram em cena e temos o primeiro movimento, 'Allegramente', que não é exatamente um 'allegro', mas bastante delicado em alguns momentos. Falei, acima, do jazz: logo no primeiro movimento já se notam frases longas e estilo improviso de jazz tocadas pelo piano. Interessante notar, também, como Ravel explora as diversas possibilidades de emissão sonora dos instrumentos, sempre sem exageros. O segundo movimento, como já foi mencionado, começa com o piano solo comportadíssimo. Só depois de algum tempo que os sopros entram para nos lembrar que se trata de uma obra do início do século XX. Quanto ao terceiro movimento... o vídeo com o fantástico Leonard Bernstein tocando vale mais que qualquer palavra! Vejam:
http://www.youtube.com/watch?v=xjdAyy1xatA

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Berlioz - Episódios da Vida de Um Artista, Op 14 (Orchestre des Champs-Elysées, 27 a 28 de abril)

São Paulo, 27 de abril de 2009. Na Sala São Paulo espero o início do concerto com a Orchestre des Champs-Elysées, sob a regência do maestro belga Philipe Herreweghe, diretor artístico do grupo. No camarote em que estou, ouço uma senhora, pálida, de grandes olhos, falando em um inglês britânico. Ela conta da noite de novembro de 1932, no Conservatório de Paris, quando a Sinfonia Fantástica e Lelio, ou o Retorno à Vida, conjunto que leva o nome de Episódios da Vida de Um Artista (Op. 14) foram apresentadas juntas pela primeira vez. Naquela noite, na plateia, era ela o centro das atenções: todos os que chegavam para assistir ao concerto olhavam em volta, buscando identificar aquela que seria a musa inspiradora de Berlioz. Naquela noite, após ouvir a alma do compositor traduzida em música, ela se redimiu e cedeu ao seu amor -- ou sua obsessão. Agora, quase setenta e sete anos depois, como num passe de mágica, aquela noite é revivida no Brasil, em São Paulo, a milhares de quilômetros de Paris.

A Orchestre des Champs-Elysées é um conjunto especializado em músicas do período romântico. Toca compositores como Beethoven, Berlioz, Bruckner... Por ser financiada pelo governo francês, é exigido que dê prioridade a compositores franceses (como é o caso de Berlioz). Para a interpretação autêntica -- ou historicamente informada --, a orquestra usa instrumentos do início do século 19, autênticos ou réplicas. Um exemplo é o oficleide, antecessor da tuba. Além dos instrumentos, a técnica de interpretação também busca aproximar-se da usada no romantismo, como explicou o maestro Herreweghe em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo: "
Em Berlioz, por exemplo, não se trata apenas da utilização de instrumentos construídos segundo os modelos da época. Há também questões de interpretação, ausência de vibrato, preocupação com o legato. Na música de Berlioz, o colorido orquestral é muito importante. E a maneira como o interpretamos reduz a força orquestral em quase 50%, o que nos permite observar todas as cores de maneira mais interessante e original."


Sinfonia Fantástica em Cinco Atos.
(
Symphonie fantastique en cinq parties), Op. 14a, foi composta por Hector Berlioz (1803-1869), integrante do romantismo francês, em 1830. Embora tenha estreado no Conservatório de Paris em dezembro do mesmo ano, só foi publicada 15 anos mais tarde, após várias revisões e modificações.
É interessante a história dessa composição. Ao assistir, em 1927, no Théâtre de l'Odéon, à peça Hamlet de Shakespeare, Berlioz se apaixonou pela atriz irlandesa Harriet Smithson, considerada uma atriz de segunda linha.
Rejeitado pela inacessível atriz, Berlioz se convenceu de que era uma cortesã, indigna de seu amor. Nessa linha, e soba a influência de Weber, Gothe e Beethoven, começou a compor a Sinfonia Fantástica: a história de uma paixão seguida por uma desilusão. Para expor a degradação do ídolo, porém, Berlioz não poderia se valer do modelo tradicional da sinfonia. Construiu um drama em cinco partes (expostas abaixo), que evolui dos sentimentos mais puros e apaixonados aos delírios e sarcasmo. Durante toda a obra está presente a amada, ou objeto da obsessão, representada por uma melodia, uma ideia fixa.
A sinfonia é, na verdade, uma colcha de retalhos onde melodias previamente compostas por Berlioz são alinhavada pela ideia fixa. Isso não diminui o valor da obra. Ao contrário, dá maior legitimidade ao subtítulo e à intenção do compositor: episódios da vida de um artista. Faz uma revisão de sua obra, de seus fracassos -- de suas peças não executadas, de suas duas eliminações do concurso de composição de Roma -- e também de seus sucessos -- dos prêmios de Segundo e Primeiro lugar no concurso de Roma e da aceitação como compositor. Ao lado de tudo isso, está sempre presenta a paixão pela atriz inglesa, que o perseguia havia quatro anos.
Harriet Smithson não foi à estreia da obra em 1930. Porém, dois anos mais tarde, em novembro de 1932, ela compareceu à execução, em Paris, quando a Sinfonia foi seguida pelo monodrama lírico Lelio ou o retorno à vida -- exatamente como ocorrerá na Sala São Paulo, nos dias 27 e 28 de abil!. Após esse acontecimento, Berlioz teve uma recaída e declarou-se à atriz, dessa vez com sucesso. Casaram-se no ano seguinte, mas ficaram poucos anos juntos.

A Sinfonia, primeiro exemplo de música programática instrumental, é acompanhada por um roteiro, escrito pelo próprio compositor, publicado no Le Figaro dez dias antes da estreia, que, segundo Berlioz, deve ser distribuído à plateia antes da execução da obra. O roteiro também sofreu modificações. Segundo a versão de 1932.
O compositor teve o objetivo de desenvolver (...) diferentes situações da vida de um artista. (...) O programa a seguir deve ser considerado como o texto falado de uma ópera (...).

Segue a tradução da versão de 1832 do roteiro, a partir do francês fonte:
http://fr.wikipedia.org/wiki/Symphonie_fantastique).

Primeira Parte: Devaneios, Paixões.
O autor supõe que um jovem músico, afetado por essa doença moral que um escritor célebre chamou de “onda de paixões” (vague des passions), vê pela primeira vez uma mulher que reúne todos os charmes do ser ideal com o qual sua imaginação sonha, e se apaixona perdidamente por ela. Por uma singular bizarrice, a imagem queria não se apresenta ao espírito do artista sem estar associada a um pensamento musical, onde ele acha um certo caráter passional, mas nobre e tímido como o objeto de seu amor.
Esse reflexo melódico e seu modelo o perseguem sem cessar, como um dupla idéia fixa. Essa é a razão da aparição constante, em todos os movimentos da sinfonia, da melodia com que começa o primeiro allegro. A passagem desse estado de devaneio melancólico, interrompido por alguns acessos de alegria sem causa, para o de uma paixão delirante, com seus movimentos de furor de ciúmes, seus retornos à ternura, suas lágrimas, etc, tudo isso é o tema do primeiro movimento.
[O primeiro movimento começa com uma introdução lenta – a melodia que representa a idéia fixa – seguida por um allegro, onde estão presentes a alegria sem causa, os acessos de ciúmes, etc]

Segunda Parte: Um Baile.
O artista é colocado nas mais diversas circunstâncias da vida, no meio do tumulto de uma festa, na tranqüila contemplação das belezas da natureza; mas por toda parte, na vila, no campo, a imagem querida vem se apresentar a ele e lançar perturbação a sua alma.
[Logo no início do segundo movimento, após bela participação da harpa, ouve-se a valsa do baile. E eis que surge a idéia fixa dá sinais de vida. Na versão de 1955, só é feita referência à cena do baile, sem se falar em contemplação das belezas da natureza, etc. De fato, no segundo movimento o baile está presente o tempo todo, o que nos leva a crer que as modificações no roteiro reflitam modificações na versão final da música.]

Terceira Parte: Cena no Campo.
Encontrando-se uma tarde no campo, ele escuta ao longe dois pastores que dialogam um ranz de vaches [canção]; esse duo pastoral, o lugar da cena, o leve barulho das árvores docemente agitadas pelo vento, alguns motivos de esperança que ele passou a conceber, tudo colabora para devolver ao seu coração uma calma não usual e a dar a suas idéias uma cor mais radiante. Ele reflete sobre seu isolamento; ele espera em breve não ser mais tão só... Mas se ela o enganar... Essa mistura de esperança e de temor, essas idéias de felicidade perturbadas por maus pressentimentos, formam o tema do adagio. Ao fim, um dos pastores retoma a ranz de vaches; o outro não responde mais... Barulho longo de trovão... Solidão... Silêncio...

Quarta Parte: Marcha do Suplício.
Tendo alcançado a certeza de que aquela que adora não só não responde ao seu amor, mas também é incapaz de compreendê-lo, e que, além disso, ela é indigna dele, o artista se envenena com ópio. A dose do narcótico, fraca demais para levá-lo à morte, o mergulha em um sono acompanhado das mais terríveis visões. Ele sonha que matou aquela que amava, que é condenado, conduzido ao suplício, e que assiste à sua própria execução. O cortejo avança ao som de uma marcha ora sombria e violenta, ora brilhante e solene, na qual um barulho surdo de passos graves sucede sem transição aos mais barulhentos estrondos. Ao fim da marcha, os quatro primeiros compassos da idéia fixa reaparecem como um último pensamento de amor interrompido pelo golpe fatal.

Quinta Parte: Sonhos de uma Noite de Sabbat.
Ele se vê no sabbat, no meio de um grupo horrível de sombras, de feiticeiras, de monstros de todas as espécies, reunidos para seu funeral. Barulhos estranos, gemidos, gargalhadas, gritos longínquos que parecem ser respondidos por outros. A melodia amada reaparece ainda, mas ela perdeu seu caráter de nobreza e timidez; tem somente um ar de dança ignóbil, trivial e grotesca: é ela que vem ao sabbat... Ruidosa de alegria à sua chegada... Ela se mistura à orgia diabólica... Sinos fúnebres, paródia burlesca de Dies Irae. A dança do Sabbat e o Dies Irae juntos.


Links:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hector_Berlioz
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinfonia_Fant%C3%A1stica
http://www.hberlioz.com/Scores/sfantastique.htm (contém o roteiro em inglês)
http://fr.wikipedia.org/wiki/Symphonie_fantastique (contém o roteiro em francês)

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Prokofiev - Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 (OSESP e Lilya Zilberstein, 16 a 18 de outubro)

Nesta semana, sob a regência de John Neschling, a pianista russa Lilya Zilberstein, juntamente com a OSESP, apresentará o Terceiro Concerto Para Piano em Dó Maior, o opus 26 de seu conterrâneo Sergei Prokofiev (1891-1953). Traz-nos grande expectativa o concerto desta semana, já que Lilya Zilberstein, além de russa, é aluna e pupila daquela que é uma das maiores intérpretes deste concerto para piano: Martha Argerich -- ela, aliás, tem tamanha intimidade com o concerto que o considera fácil. Além disso, é forte o sangue russo na orquestra, uma vez que muitos de seus componentes vêm da Rússia.
Recomendamos o vídeo do Concerto para Piano n. 3 existente no Youtube, com Martha Argerich e a Orquestra Filarmônica de Berlin, sob a regência de Claudio Abbado.

O Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 teve sua estreia em Chicago em 1921. Não alcançou sucesso imediato nos Estados Unidos, onde Prokofiev morava na época. Ao contrário: só após ter sido executado na Europa popularizou-se e hoje é o concerto mais conhecido e tocado do compositor. Com forte influência de Beethoven, sobretudo do Primeiro Concerto para Piano, e do pianismo de Czerny, também há traços de Rachmaninov e melodias típicas russas. Figura, sem dúvida, entre os mais importantes concertos para piano do repertório da música ocidental.

Primeiro Movimento: Allegro.
Começa com um andante, um prólogo, onde a clarineta introduz apresenta o tema principal (o primeiro tema): uma melodia russa. Após uma modulação, entra a orquestra com galopes no estilo Czerny: é esse o segundo tema. O terceiro tema entra com ritmo bem marcado e acompanhado por percussão.

Segundo Movimento: Andantino con Variazonin
Neste movimento, o tema, uma gavota, introduzido pela flauta logo no início, é sempre lembrado, porém com certa liberdade, sem que o compositor tenha se tornado escravo dele. A cada variação há uma modificação do tema.
Variação 1 (Istesse tempo): o piano tem o tema, porém com uma harmonia no estilo de Gershwin, provavelmente um reflexo das influências a que estava submetido nos Estados Unidos.
Variação 2 (allegro): aqui o tema está com o trompete.
Variação 3 (allegro moderato): o tema está com a orquestra. Enquanto isso, o piano apresenta movimentos ininterruptos com acentos nos contra-tempos e as duas mãos seguindo paralelamente -- característica do pianismo de Prokofiev.
Variação 4 (andante meditativo): o piano lembra o tema mas também apresenta movimentos descendentes cromáticos. O clima criado aqui é semelhante ao criado por Rachmaninov nas Variações sobre um Tema de Paganini, na 17a variação, preparando a famosa 18a variação.
Variação 5 (allegro giusto): enquanto o tema é tocado pelos violinos o piano faz movimentos ascendentes que se intensificam.

Terceiro Movimento: Allegro ma non troppo.
O clima é bastante parecido com o do primeiro movimento. A forma é A-B-A, havendo, contudo, subdivisões internas nos temas. O tema A é bastante ritmado. Uma melodia lírica bastante russa introduz B, mas o clima é logo quebrado pela flauta que como que reproduz, repetidas vezes, algo que pode ser o canto, quase grito, de algum pássaro. Volta logo uma melodia pastoral na orquestra. O piano, porém, ao mesmo tempo toca outro tema que nada tem de pastoral, ao contrário, é obsessivo. Esse tema pastoral faz lembrar bastante Rachmaninov.

sábado, 4 de outubro de 2008

Szymanowski - Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 (OSESP, 09 a 11 de outubro)

Nesta semana, a OSESP executará a Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 do compositor e pianista Karol Szymanowski (1882-1937).

Homem ucraniano e músico polonês, Szymanowski tem sua obra dividida em três fases: romântica, impressionista e popular (no sentido de usar elementos populares, folclóricos, da Polônia em suas composições). É à última fase que pertence a Sinfonia n. 4. Nesta fase, e particularmente na sinfonia, o cromatismo presente na fase anterior dá lugar ao diatonismo. As influências de Stravinski e Prokofiev podem ser notadas.

Dedicada a Arthur Rubinstein, a Sinfonia n. 4 "Sinfonia Concertante" para piano e orquestra estreou no dia 09 de outubro de 1932 -- portanto, a 'estreia' com a OSESP marcará exatamente o aniversário de 76 anos da peça -- sob a regência de Gregor Fitelberg. Escrita pelo pai da música moderna na Polônia, não podemos esperar uma sinfonia tonal nos moldes convencionais.

No Youtube:
Para conhecer outras obras de Szymanowski:
Estudo para Piano op. 4 n. 3 (por Scott Meek)


Concerto para Violino n. 1


Karol Szymanowski na Wikipedia
Polish Music Center: Karol Szymanowski

http://www.culture.pl/en/culture/artykuly/dz_szymanowski_4_symfonia

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Brahms - Réquiem Alemão (OSESP, 02 a 04 de outubro)

No próximo fim de semana, na Sala São Paulo, a OSESP, sob a regência de ninguém menos que Helmuth Rilling, apresentará o Réquiem Alemão, de Johannes Brahms. Como solistas teremos a soprano Sylvia Schwartz e o barítono Michael Nagy

O maravilhoso Réquiem Alemão (Ein Deutsches Requiem), opus 45 de Johannes Brahms (1833-1897), se distingue dos requiens tradicionais, compostos na forma das já extintas missas de mortos, justamente por não seguir a liturgia de tais missas. Ao contrário, o Requiem Alemão se utiliza trechos do Antigo e do Novo Testamentos, segundo a tradução luterana para o Alemão, sem qualquer preocupação litúrgica.
A tradução para o português, paralelamente ao original em alemão, pode ser encontrada em
http://www.musicaeadoracao.com.br/obras/requiem_brahms_traducao.htm

Composto entre 1865 e 1868, o Requiem teve sua estréia na Sexta-Feira Santa 12 de abril de 1868, sob a regência do próprio compositor, na Catedral de Bremen. Nessa ocasião, contudo, o quinto movimento ainda não havia sido composto. Esse movimento, para soprano e coro, é um tibuto do compositor à memória de sua mãe, morta em 1865.
Para orquestra, coro, soprano e barítono, o Réquiem possui sete movimentos e duração aproximada de 75 minutos -- o que faz dele a maior composição de Brahms.
A partitura e midis podem ser encontrados em
http://www.cpdl.org/wiki/index.php/Ein_deutsches_Requiem,_Op._45_(Johannes_Brahms)

Patrick Tuck, em sua dissertação Brahms' Ein Deutsches Requiem: Dialetic and the Chromatic Middleground, observa que os três movimentos do Réquiem que se iniciam em tonalidade menor -- a saber: segundo, terceiro e sexto -- sofrem uma mudança para a tonalidade maior correspondente, justamente quando o letra, que falava da mortalidade, passa a falar da salvação eterna, que só pode ser alcançada com a morte e ressurreição. Já os outros quatro movimentos (primeiro, quarto, quinto e sétimo) começam e terminam em tonalidade maior.

1. Primeiro Movimento - Coro e orquestra.

Bem-aventurados os que sofrem aflições,
porque serão consolados.
(Mateus 5:4)

Os que com lágrimas semeiam,
com alegria colherão.
Vão andando e chorando
quando levam a nobre semente,
mas voltam com alegria
trazendo os seus feixes.
(Salmos 126:5-6)

O primeiro movimento se inicia sombrio: cellos e violas dão o tom grave, enquanto violinos, trompetes e outros instrumentos com um timbre mais claro se omitem. Merece atenção a entrada do coro: "Selig sind", três notas em dois intervalos ascendentes. Essa célula de três notas se repete em outras partes da obra, dando um indício de unidade. Os dois intervalos ascendentes dão a sensação de ascensão no momento em que se fala "Bem-aventurados". Já no início da próxima estrofe do coro, fala-se "Os que com lágrimas semeiam" e os dois intervalos anteriores aparecem em ordem inversa, isso é, descendente, em "mit Tränen", como lágrimas caindo sobre as sementes. Deve-se observar, ainda, que todas as vezes em que o texto é "werden mit Freuden" ("com alegria colherão"), há um crescendo, de modo que a palavra Freuden (alegria) é acentuada. Porém, em nenhum momento, o tom sombrio do movimento é abandonado.

2. Segundo Movimento - Coro e orquestra

Porque toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca, e a flor cai.
(I Pedro 1:24)

Assim, então, sede pacientes, queridos irmãos,
até a vinda do Senhor.
Olhai o lavrador que espera
o estimado furto da terra
e é paciente na espera,
enquanto recebe a chuva da manhã e da tarde.
Assim então, tende paciência.
(Tiago 5:7)

Pois toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca
e a flor cai.
Mas a palavra do Senhor perdura eternamente.
(I Pedro 1:24-25)

Os resgatados do Senhor voltarão,
e virão a Sião com júbilo;
eterna alegria estará sobre suas cabeças;
Alegria e felicidade estarão com eles,
e a dor e o pranto deles fugirá.
(Isaías 35:10)

No segundo movimento os instrumentos omitidos no primeiro (violino, trompete, etc) se juntam à orquestra. O movimento começa pesado, com um tempo bem marcado pelo tímpano e a predominância dos naipes masculinos no coro. Esse clima marca toda a primeira estrofe, que transmite as duras advertências de Pedro. Já na segunda estrofe, as palavras doces e consoladoras de Tiago são entoadas com uma melodia leve e doce, onde prevalecem os naipes femininos. Em seguida, repete-se a primeira estrofe, retornando o clima inicial, de advertência. Esse clima dura até a última frase de Pedro: "Aber des Herrn Wort bleibet in Ewigkeit", ou seja, "Mas a Palavra do Senhor perdura eternamente". Neste ponto, ocorre a mudança de tonalidade de menor para maior. Essa mudança é seguida por um forte, enquanto se faz a promessa “Die Erlöseten des Herrn” ("Os resgatados do Senhor voltarão e virão a Sião com júbilo"). O movimento termina, portanto, com um clima bem diferente do início sombrio.

3. Terdeiro Movimento - Barítono, coro e orquestra.

Senhor, mostra-me, então, que devo ter um fim,
que minha vida tem um objetivo, e que devo cumpri-lo.
Eis, meus dias são como um palmo para Ti,
e minha vida é nada diante de Ti.
Ah, todos os homens são como o nada,
e, contudo, vivem tão seguros!
Eis que desaparecem como uma sombra
e, entretanto, preocupam-se em vão;
armazenam e não sabem quem o recolherá.
Então, Senhor, quem poderá consolar-me?
Eu espero em ti.
(Salmos 39:4-7)

As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta.
(Sabedoria 3:1)

O terceiro movimento se inicia com o solo do barítono entoando uma prece que é, em seguida, reforçada pela repetição do coro. Esse mecanismo se repete algumas vezes durante toda a primeira parte deste movimento. O clima de súplica marca o início do terceiro movimento e se mistura a um clima de reflexão.
A mudança de caráter do movimento coincide com a mudança da tonalidade menor para a maior, que se dá quando o coro canta "Ich hoffe auf dich", ou seja, "Eu espero em Ti". O clima de súplica/reflexão dá lugar a um de júbilo e esperança, com o coro executando uma fuga, enquanto canta a promessa "Der Gerechten Seelen sind in Gottes Hand, und keine Qual rühret se an" ("As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta"). Assim termina, também este movimento, de forma bem diferente da que apresentava em seu início.

4. Quarto Movimento - Coro e orquestra.
Que amáveis são as tuas moradas,
Senhor dos Exércitos!
Minha alma anela e suspira
pelas ante-salas do Senhor,
meu corpo e minha alma alegram-se
no Deus vivo.
Bem-aventurados os que na tua casa habitam,
que te louvam eternamente.
(Salmos 84:1-2 e 4)
O quarto movimento é bem mais leve e delicado que os precedentes. Como que querendo demonstrar os suspiros da alma na Casa do Senhor, a única alteração ocorre com a presença de uma fuga, no final, para ilustrar o louvor eterno: "die loben dich immerdar".

5. Quinto Movimento - Soprano, coro e orquestra.

Agora estais em tristeza,
mas voltarei a ver-vos
e vosso coração regozijar-se-á
e a vossa alegria ninguém poderá tirar .
(João 16:22)

Vede:
Tive um breve tempo
no qual labutei e trabalhei,
e encontrei um grande consolo.
(Eclesiástico 51:27)

Consolar-vos-ei
como uma mãe consola.
(Isaías 66:13)

Conforme já foi observado anteriormente, o quinto movimento é uma clara homenagem à mãe de Brahms. A doce melodia cantada pela soprano, bem como a letra da melodia, trazem à mente a figura da mãe. O movimento termina com várias repetições da promessa da mãe: voltarei a ver-vos ("wieder sehen").

6. Sexto Movimento - Barítono, coro e orquestra

Como aqui carecemos de morada permanente,
mas buscamos a futura.
(Hebreus 13:14)

Eis, eu vos revelarei um segredo:
nem todos dormiremos,
mas todos seremos transformados;
e isto de repente, num piscar de olhos,
no momento da última trombeta.
Porque a trombeta soará,
os mortos ressuscitarão incorruptíveis
e nós seremos transformados.
Então, se cumprirá a palavra
que está escrita:
A morte é tragada na vitória.
Morte, onde está o teu aguilhão?
Inferno, onde está a tua vitória?
(I Coríntios 15:51-52 e 54-55)

Senhor, Tu és digno
de receber a glória, a honra e o poder,
pois Tu criaste todas as coisas,
e pela tua vontade existem
e foram criadas.
(Apocalipse 4:11)

Ao contrário do terceiro movimento, quem inicia o sexto é o coro, e não o barítono. Este só entra no momento de revelar o segredo "Sieh, ich sage euch ein Geheimnis:". Neste movimento está presente a última batalha entre vida e morte e é anunciada a vitória da Vida.
A mudança de Dó menor para Dó maior ocorre enquanto se canta "Herr, du bist würdig zu nehmen Pries und Ehre und Kraft" ("Senhor, Tu és digno de receber a glória, a honra e o poder"). Com este mesmo texto, é feita uma fuga, celebrando a glória de Deus. Evidentemente, já que se trata de um movimento que se iniciou em tom menor e terminou em maior, há uma nítida mudança de clima. O início sóbrio deu lugar à celebração do final.

7. Sétimo Movimento - Coro e orquestra
Bem-aventurados os mortos
que, desde agora, morrem no Senhor.
Sim, o Espírito diz
que repousem do seu trabalho,
pois as suas obras os acompanham.
(Apocalipse 14:13)
No sétimo movimento, prevalece o piano. Delicado, lembra o descanso dos mortos com suas boas-obras. Neste movimento reaparece a bem-aventurança (Selig), retomando o tema do primeiro movimento, porém, aqui, os bem-aventurados são os que morreram no Senhor, não mais os que sofrem aflições. Aqui, as aflições já deram lugar ao consolo e ao descanso eternos. O Réquiem termina justamente com a palavra com a qual se iniciou: Bem-aventurados, Selig!

Felizes somos também nós, pelo privilégio de podermos ouvir peça tão inspirada como essa!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Beethoven Sonata para Piano n.14 em dó# menor op 27-2 (Ao Luar) - Leif Ove Andsnes (29 e 30 de setembro)

Nos dias 29 e 30 de setembro, o aclamado pianista norueguês Leif Ove Andsnes irá se apresentar, pelo Mozarteum Brasileiro, na Sala São Paulo, em recital de piano. No repertório teremos Schubert, com a Sonata para piano n. 19 D 958, Beethoven com a Sonata n.14 e Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky.

A Sonata número 14 op 27-2 de Beethoven, conhecida como “Sonata ao Luar”, foi composta em 1801 e publicada em março de 1802. Faz parte, portanto, no período classificado com “primeira maturidade” de Beethoven. Como se sabe, o título não foi dado por Beethoven, mas sim pelo poeta Ludwig Rollstab. Segundo ele, a música o remetia a uma cena noturna, em um lago, sob o luar. Curiosamente os contemporâneos de Beethoven já haviam dado outro nome à sonata. Para eles, Beethoven a escrevera sob um caramanchão e por isso a chamaram de “Sonata do Caramanchão”. A dedicatória da obra também possui uma história que ajuda a dar asas à imaginação daqueles que se encantam com as histórias de amores frustrados que cercam a sonata. Originalmente ela parece ter sido dedicada à Princesa Josefina von Liechtenstein, exatamente como a sonata op 27-1. Porém houve uma alteração: a peça está dedicada à jovem aluna de Beethoven, Giulietta Guicciardi, com quem o compositor teve um breve romance.
Beethoven intitulou o opus 27 de “Quasi una Fantasia”. Isso revela o sentimento de improvisação, principalmente do primeiro movimento da Sonata ao Luar, que, além de não obedecer a nenhuma forma, tem um início que parece uma suave improvisação. O caráter de fantasia se revela, ainda, na pluralidade de tempos, versatilidade tonal e no fato de não haver intervalo entre os movimentos: em uma fantasia há inúmeras seções com características diversas.
Segundo testemunho do próprio Beethoven em carta, o famoso primeiro movimento – Adagio -- nasceu de um improviso durante o velório de um amigo. Isso justifica o seu estilo de marcha fúnebre. No início do movimento encontram-se duas indicações. A primeira é “sempre pp”. A segunda é “delicatissimamente senza sordini”. O sem surdina significa que, se a sonoridade dos pianos de hoje fosse a mesma daqueles de 1801, o primeiro movimento deveria ser tocado com o pedal direito pressionado. Com nossos pianos de hoje, porém, seguir tal indicação não significaria tocar a obra de forma mais fiel, mas sim embolar todos os sons, tirando-lhe o sentido. Hoje em dia, é missão do pianista saber a hora de pisar no pedal, bem como a hora de soltá-lo. Neste movimento fazem-se notar, pela primeira vez na obra de Beethoven, traços românticos.

Mais informações no site do Mozarteum

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Schumann Kinderszenen (Cenas Infantis) - Polly Ferman (26/08 no CCBB)

(...) existem momentos onde eu rebento música. Mas, antes que me esqueça, deixa-me dizer-te que compus outra coisa. Talvez seja um eco do que me disseste uma vez, que ‘por vezes te parecesse uma criança’. Por isso, fiquei subitamente cheio de inspiração e escrevi uma trintena de pequenas peças donde extrai doze e chamei-lhes ‘Cenas de Infância’.

Carta de Schumann a Clara, in Michel Schneider, Musiques de Nuit, Edition Odile Jacob, Paris 2001


A pianista uruguaia residente em Nova Iorque Polly Ferman fará, no Centro Cultural Banco do Brasil, um recital com músicas das américas (Gershwin, Piazzolla, Nazareth, Villa-Lobos etc, sua especialidade) e a obra que aqui destacamos: Kinderszenen, ou Cenas Infantis, de Schumann. Talvez o compositor alemão Robert Schumann (1810-1856) seja mais popular pelos fatos que marcaram sua vida, cercada por histórias paixão e loucura, do que por sua música. Em se tratando de um compositor pertencente ao grupo que inaugurou o romantismo na música, tal 'injustiça' acaba nos trazendo algum proveito.
Schumann teve como seus contemporâneos figuras como Chopin, Liszt, Menelssohn e, claro, Brahms.
As Cenas Infantis (Kinderszenen) op. 15 foram compostas em 1838, pouco tempo antes do seu casamento com Clara (1840). É uma peça onde está presente o lado lírico e extremamente sensível de Schumann. No trecho da carta a Clara transcrito no início deste tópico, Schumann menciona a obra e atribui a 'inspiração' por a ter composto ao 'eco' de uma frase dela sobre o lado infantil que por vezes se revela nos adultos.

As partes das Cenas Infantis são:

1. Von fremden Ländern und Menschen / De povos e terras distantes.
2. Kuriose Geschichte / História curiosa
3. Haschemann /Jogo da cabra-cega
4. Bittendes Kind /Desejo de criança
5. Glückes genug /Completamente feliz
6. Wichtige Begebenheit /Grande acontecimento
7. Träumerei /
8. Am Kamin /À lareira
9. Ritter vom Steckenpferd /Cavaleiro do cavalo de pau
10. Fast zu ernst /Quase demasiado sério
11. Fürchtenmachen /Assustar
12. Kind im Einschlummern /Criança a adormecer
13. Der Dichter spricht /O poeta fala


A primeira peça apresenta o tema principal, no qual estão baseados os motivos presentes nas outras peças.

Não faltam, nas prateleiras das boas lojas, gravações das Kinderszenen! Grandes pianistas como Vladimir Horowitz, Marta Argerich, Guiomar Novaes, Nelson Freire etc já tocaram em recitais e registraram a obra.
A obra é uma das pérolas do romantismo e da música pianística!

Referências:
Coleção Folha de Música Clássica;
BonaMusica;