quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Prokofiev - Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 (OSESP e Lilya Zilberstein, 16 a 18 de outubro)

Nesta semana, sob a regência de John Neschling, a pianista russa Lilya Zilberstein, juntamente com a OSESP, apresentará o Terceiro Concerto Para Piano em Dó Maior, o opus 26 de seu conterrâneo Sergei Prokofiev (1891-1953). Traz-nos grande expectativa o concerto desta semana, já que Lilya Zilberstein, além de russa, é aluna e pupila daquela que é uma das maiores intérpretes deste concerto para piano: Martha Argerich -- ela, aliás, tem tamanha intimidade com o concerto que o considera fácil. Além disso, é forte o sangue russo na orquestra, uma vez que muitos de seus componentes vêm da Rússia.
Recomendamos o vídeo do Concerto para Piano n. 3 existente no Youtube, com Martha Argerich e a Orquestra Filarmônica de Berlin, sob a regência de Claudio Abbado.

O Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 teve sua estreia em Chicago em 1921. Não alcançou sucesso imediato nos Estados Unidos, onde Prokofiev morava na época. Ao contrário: só após ter sido executado na Europa popularizou-se e hoje é o concerto mais conhecido e tocado do compositor. Com forte influência de Beethoven, sobretudo do Primeiro Concerto para Piano, e do pianismo de Czerny, também há traços de Rachmaninov e melodias típicas russas. Figura, sem dúvida, entre os mais importantes concertos para piano do repertório da música ocidental.

Primeiro Movimento: Allegro.
Começa com um andante, um prólogo, onde a clarineta introduz apresenta o tema principal (o primeiro tema): uma melodia russa. Após uma modulação, entra a orquestra com galopes no estilo Czerny: é esse o segundo tema. O terceiro tema entra com ritmo bem marcado e acompanhado por percussão.

Segundo Movimento: Andantino con Variazonin
Neste movimento, o tema, uma gavota, introduzido pela flauta logo no início, é sempre lembrado, porém com certa liberdade, sem que o compositor tenha se tornado escravo dele. A cada variação há uma modificação do tema.
Variação 1 (Istesse tempo): o piano tem o tema, porém com uma harmonia no estilo de Gershwin, provavelmente um reflexo das influências a que estava submetido nos Estados Unidos.
Variação 2 (allegro): aqui o tema está com o trompete.
Variação 3 (allegro moderato): o tema está com a orquestra. Enquanto isso, o piano apresenta movimentos ininterruptos com acentos nos contra-tempos e as duas mãos seguindo paralelamente -- característica do pianismo de Prokofiev.
Variação 4 (andante meditativo): o piano lembra o tema mas também apresenta movimentos descendentes cromáticos. O clima criado aqui é semelhante ao criado por Rachmaninov nas Variações sobre um Tema de Paganini, na 17a variação, preparando a famosa 18a variação.
Variação 5 (allegro giusto): enquanto o tema é tocado pelos violinos o piano faz movimentos ascendentes que se intensificam.

Terceiro Movimento: Allegro ma non troppo.
O clima é bastante parecido com o do primeiro movimento. A forma é A-B-A, havendo, contudo, subdivisões internas nos temas. O tema A é bastante ritmado. Uma melodia lírica bastante russa introduz B, mas o clima é logo quebrado pela flauta que como que reproduz, repetidas vezes, algo que pode ser o canto, quase grito, de algum pássaro. Volta logo uma melodia pastoral na orquestra. O piano, porém, ao mesmo tempo toca outro tema que nada tem de pastoral, ao contrário, é obsessivo. Esse tema pastoral faz lembrar bastante Rachmaninov.

sábado, 4 de outubro de 2008

Szymanowski - Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 (OSESP, 09 a 11 de outubro)

Nesta semana, a OSESP executará a Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 do compositor e pianista Karol Szymanowski (1882-1937).

Homem ucraniano e músico polonês, Szymanowski tem sua obra dividida em três fases: romântica, impressionista e popular (no sentido de usar elementos populares, folclóricos, da Polônia em suas composições). É à última fase que pertence a Sinfonia n. 4. Nesta fase, e particularmente na sinfonia, o cromatismo presente na fase anterior dá lugar ao diatonismo. As influências de Stravinski e Prokofiev podem ser notadas.

Dedicada a Arthur Rubinstein, a Sinfonia n. 4 "Sinfonia Concertante" para piano e orquestra estreou no dia 09 de outubro de 1932 -- portanto, a 'estreia' com a OSESP marcará exatamente o aniversário de 76 anos da peça -- sob a regência de Gregor Fitelberg. Escrita pelo pai da música moderna na Polônia, não podemos esperar uma sinfonia tonal nos moldes convencionais.

No Youtube:
Para conhecer outras obras de Szymanowski:
Estudo para Piano op. 4 n. 3 (por Scott Meek)


Concerto para Violino n. 1


Karol Szymanowski na Wikipedia
Polish Music Center: Karol Szymanowski

http://www.culture.pl/en/culture/artykuly/dz_szymanowski_4_symfonia

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Brahms - Réquiem Alemão (OSESP, 02 a 04 de outubro)

No próximo fim de semana, na Sala São Paulo, a OSESP, sob a regência de ninguém menos que Helmuth Rilling, apresentará o Réquiem Alemão, de Johannes Brahms. Como solistas teremos a soprano Sylvia Schwartz e o barítono Michael Nagy

O maravilhoso Réquiem Alemão (Ein Deutsches Requiem), opus 45 de Johannes Brahms (1833-1897), se distingue dos requiens tradicionais, compostos na forma das já extintas missas de mortos, justamente por não seguir a liturgia de tais missas. Ao contrário, o Requiem Alemão se utiliza trechos do Antigo e do Novo Testamentos, segundo a tradução luterana para o Alemão, sem qualquer preocupação litúrgica.
A tradução para o português, paralelamente ao original em alemão, pode ser encontrada em
http://www.musicaeadoracao.com.br/obras/requiem_brahms_traducao.htm

Composto entre 1865 e 1868, o Requiem teve sua estréia na Sexta-Feira Santa 12 de abril de 1868, sob a regência do próprio compositor, na Catedral de Bremen. Nessa ocasião, contudo, o quinto movimento ainda não havia sido composto. Esse movimento, para soprano e coro, é um tibuto do compositor à memória de sua mãe, morta em 1865.
Para orquestra, coro, soprano e barítono, o Réquiem possui sete movimentos e duração aproximada de 75 minutos -- o que faz dele a maior composição de Brahms.
A partitura e midis podem ser encontrados em
http://www.cpdl.org/wiki/index.php/Ein_deutsches_Requiem,_Op._45_(Johannes_Brahms)

Patrick Tuck, em sua dissertação Brahms' Ein Deutsches Requiem: Dialetic and the Chromatic Middleground, observa que os três movimentos do Réquiem que se iniciam em tonalidade menor -- a saber: segundo, terceiro e sexto -- sofrem uma mudança para a tonalidade maior correspondente, justamente quando o letra, que falava da mortalidade, passa a falar da salvação eterna, que só pode ser alcançada com a morte e ressurreição. Já os outros quatro movimentos (primeiro, quarto, quinto e sétimo) começam e terminam em tonalidade maior.

1. Primeiro Movimento - Coro e orquestra.

Bem-aventurados os que sofrem aflições,
porque serão consolados.
(Mateus 5:4)

Os que com lágrimas semeiam,
com alegria colherão.
Vão andando e chorando
quando levam a nobre semente,
mas voltam com alegria
trazendo os seus feixes.
(Salmos 126:5-6)

O primeiro movimento se inicia sombrio: cellos e violas dão o tom grave, enquanto violinos, trompetes e outros instrumentos com um timbre mais claro se omitem. Merece atenção a entrada do coro: "Selig sind", três notas em dois intervalos ascendentes. Essa célula de três notas se repete em outras partes da obra, dando um indício de unidade. Os dois intervalos ascendentes dão a sensação de ascensão no momento em que se fala "Bem-aventurados". Já no início da próxima estrofe do coro, fala-se "Os que com lágrimas semeiam" e os dois intervalos anteriores aparecem em ordem inversa, isso é, descendente, em "mit Tränen", como lágrimas caindo sobre as sementes. Deve-se observar, ainda, que todas as vezes em que o texto é "werden mit Freuden" ("com alegria colherão"), há um crescendo, de modo que a palavra Freuden (alegria) é acentuada. Porém, em nenhum momento, o tom sombrio do movimento é abandonado.

2. Segundo Movimento - Coro e orquestra

Porque toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca, e a flor cai.
(I Pedro 1:24)

Assim, então, sede pacientes, queridos irmãos,
até a vinda do Senhor.
Olhai o lavrador que espera
o estimado furto da terra
e é paciente na espera,
enquanto recebe a chuva da manhã e da tarde.
Assim então, tende paciência.
(Tiago 5:7)

Pois toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca
e a flor cai.
Mas a palavra do Senhor perdura eternamente.
(I Pedro 1:24-25)

Os resgatados do Senhor voltarão,
e virão a Sião com júbilo;
eterna alegria estará sobre suas cabeças;
Alegria e felicidade estarão com eles,
e a dor e o pranto deles fugirá.
(Isaías 35:10)

No segundo movimento os instrumentos omitidos no primeiro (violino, trompete, etc) se juntam à orquestra. O movimento começa pesado, com um tempo bem marcado pelo tímpano e a predominância dos naipes masculinos no coro. Esse clima marca toda a primeira estrofe, que transmite as duras advertências de Pedro. Já na segunda estrofe, as palavras doces e consoladoras de Tiago são entoadas com uma melodia leve e doce, onde prevalecem os naipes femininos. Em seguida, repete-se a primeira estrofe, retornando o clima inicial, de advertência. Esse clima dura até a última frase de Pedro: "Aber des Herrn Wort bleibet in Ewigkeit", ou seja, "Mas a Palavra do Senhor perdura eternamente". Neste ponto, ocorre a mudança de tonalidade de menor para maior. Essa mudança é seguida por um forte, enquanto se faz a promessa “Die Erlöseten des Herrn” ("Os resgatados do Senhor voltarão e virão a Sião com júbilo"). O movimento termina, portanto, com um clima bem diferente do início sombrio.

3. Terdeiro Movimento - Barítono, coro e orquestra.

Senhor, mostra-me, então, que devo ter um fim,
que minha vida tem um objetivo, e que devo cumpri-lo.
Eis, meus dias são como um palmo para Ti,
e minha vida é nada diante de Ti.
Ah, todos os homens são como o nada,
e, contudo, vivem tão seguros!
Eis que desaparecem como uma sombra
e, entretanto, preocupam-se em vão;
armazenam e não sabem quem o recolherá.
Então, Senhor, quem poderá consolar-me?
Eu espero em ti.
(Salmos 39:4-7)

As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta.
(Sabedoria 3:1)

O terceiro movimento se inicia com o solo do barítono entoando uma prece que é, em seguida, reforçada pela repetição do coro. Esse mecanismo se repete algumas vezes durante toda a primeira parte deste movimento. O clima de súplica marca o início do terceiro movimento e se mistura a um clima de reflexão.
A mudança de caráter do movimento coincide com a mudança da tonalidade menor para a maior, que se dá quando o coro canta "Ich hoffe auf dich", ou seja, "Eu espero em Ti". O clima de súplica/reflexão dá lugar a um de júbilo e esperança, com o coro executando uma fuga, enquanto canta a promessa "Der Gerechten Seelen sind in Gottes Hand, und keine Qual rühret se an" ("As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta"). Assim termina, também este movimento, de forma bem diferente da que apresentava em seu início.

4. Quarto Movimento - Coro e orquestra.
Que amáveis são as tuas moradas,
Senhor dos Exércitos!
Minha alma anela e suspira
pelas ante-salas do Senhor,
meu corpo e minha alma alegram-se
no Deus vivo.
Bem-aventurados os que na tua casa habitam,
que te louvam eternamente.
(Salmos 84:1-2 e 4)
O quarto movimento é bem mais leve e delicado que os precedentes. Como que querendo demonstrar os suspiros da alma na Casa do Senhor, a única alteração ocorre com a presença de uma fuga, no final, para ilustrar o louvor eterno: "die loben dich immerdar".

5. Quinto Movimento - Soprano, coro e orquestra.

Agora estais em tristeza,
mas voltarei a ver-vos
e vosso coração regozijar-se-á
e a vossa alegria ninguém poderá tirar .
(João 16:22)

Vede:
Tive um breve tempo
no qual labutei e trabalhei,
e encontrei um grande consolo.
(Eclesiástico 51:27)

Consolar-vos-ei
como uma mãe consola.
(Isaías 66:13)

Conforme já foi observado anteriormente, o quinto movimento é uma clara homenagem à mãe de Brahms. A doce melodia cantada pela soprano, bem como a letra da melodia, trazem à mente a figura da mãe. O movimento termina com várias repetições da promessa da mãe: voltarei a ver-vos ("wieder sehen").

6. Sexto Movimento - Barítono, coro e orquestra

Como aqui carecemos de morada permanente,
mas buscamos a futura.
(Hebreus 13:14)

Eis, eu vos revelarei um segredo:
nem todos dormiremos,
mas todos seremos transformados;
e isto de repente, num piscar de olhos,
no momento da última trombeta.
Porque a trombeta soará,
os mortos ressuscitarão incorruptíveis
e nós seremos transformados.
Então, se cumprirá a palavra
que está escrita:
A morte é tragada na vitória.
Morte, onde está o teu aguilhão?
Inferno, onde está a tua vitória?
(I Coríntios 15:51-52 e 54-55)

Senhor, Tu és digno
de receber a glória, a honra e o poder,
pois Tu criaste todas as coisas,
e pela tua vontade existem
e foram criadas.
(Apocalipse 4:11)

Ao contrário do terceiro movimento, quem inicia o sexto é o coro, e não o barítono. Este só entra no momento de revelar o segredo "Sieh, ich sage euch ein Geheimnis:". Neste movimento está presente a última batalha entre vida e morte e é anunciada a vitória da Vida.
A mudança de Dó menor para Dó maior ocorre enquanto se canta "Herr, du bist würdig zu nehmen Pries und Ehre und Kraft" ("Senhor, Tu és digno de receber a glória, a honra e o poder"). Com este mesmo texto, é feita uma fuga, celebrando a glória de Deus. Evidentemente, já que se trata de um movimento que se iniciou em tom menor e terminou em maior, há uma nítida mudança de clima. O início sóbrio deu lugar à celebração do final.

7. Sétimo Movimento - Coro e orquestra
Bem-aventurados os mortos
que, desde agora, morrem no Senhor.
Sim, o Espírito diz
que repousem do seu trabalho,
pois as suas obras os acompanham.
(Apocalipse 14:13)
No sétimo movimento, prevalece o piano. Delicado, lembra o descanso dos mortos com suas boas-obras. Neste movimento reaparece a bem-aventurança (Selig), retomando o tema do primeiro movimento, porém, aqui, os bem-aventurados são os que morreram no Senhor, não mais os que sofrem aflições. Aqui, as aflições já deram lugar ao consolo e ao descanso eternos. O Réquiem termina justamente com a palavra com a qual se iniciou: Bem-aventurados, Selig!

Felizes somos também nós, pelo privilégio de podermos ouvir peça tão inspirada como essa!