É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.(Alberto Caeiro)
Antes de encerrar a brilhante carreira de 37 anos, o Quarteto Alban Berg passa pelo Teatro Cultura Artística, nos dias 02 e 03 de julho, para se despedir do público paulistano. Será este o acontecimento da semana e, certamente, um dos acontecimentos do ano na vida musical de São Paulo. No programa, igual nos dois dias, estão o Quarteto Opus 77 n. 1 de Haydn, o Quarteto Opus 3 de Alban Berg e o Quarteto n. 15 Opus 132 de Beethoven.
O Quarteto
O Quarteto Alban Berg fez sua estreia em 1971 na Konzerthaus de Viena, onde possui uma série própria de concertos.
Sua formação original era:
- Günter Pichler (1º violino);
- Klaus Maetzl (2° violino);
- Hatto Beyerle (viola);
- Valentin Erben (cello).
Eram todos membros de uma orquestra de câmara de Viena. A primeira mudança na formação do quarteto ocorreu em 1978, quando o segundo violino passou das mãos de Maetzl para as de Gerhard Schulz. O posto de violista sofreu duas alterações: em 1981 Thomas Kakuska substituiu Beyerle. Porém, com seu falecimento aos 64 anos em 2005, vítima de câncer, sua aluna Isabel Charisius foi por ele indicada para assumir o posto. Portanto, a formação atual é:
- Günter Pichler (1º violino);
- Gerhard Schulz (2° violino);
- Isabel Charisius (viola);
- Valentin Erben (cello).
Com vasta e premiada discografia abrangendo de Mozart a Berg, são célebres as gravações dos integrais de Beethoven, Brahms e Bartók. Vale observar que as três peças que serão apresentadas no concerto foram gravadas pelo quarteto.
Haydn: Quarteto em Sol maior Op. 77 No. 1.
Joseph Haydn (1732-1809) foi um dos primeiros compositores a compor para quarteto de cordas. Na verdade, em um fato que se repete inúmeras vezes na história das ciências e das artes desafiando nossa curiosidade e nosso entendimento, Haydn concebeu o quarteto de cordas por volta de 1760, na mesma época em que Boccherini, independentemente, também começou a compor para o gênero.
Utilizando-se uma das diversas formas de se classificar e contar a produção de Haydn, pode-se afirmar que ele compôs 68 quartetos de cordas. Diferentemente do que ocorreu com as sinfonias, Haydn não se dedicou continuamente à composição de quartetos. Ao contrário, eles foram compostos, entre 1757 e 1785, em blocos isolados e separados por intervalos de anos uns dos outros. Entre 1787 e 1803, porém, ele passa a produzir quartetos com maior continuidade.
É a essa fase final, de maior dedicação à composição de quartetos, que pertencem os quartetos do opus 77. Composto em 1799 e publicados em 1802, o opus 77 era destinado ao príncipe Lobkowitz e deveria conter uma série de seis quartetos. Porém, outras composições interromperam seu trabalho, de modo que o opus ficou apenas com dois quartetos. É interessante notar que na mesma época em que os quartetos op. 77 eram compostos e publicados, Beethoven iniciava a sua produção de seus primeiros quartetos com o op. 18, também dedicado ao príncipe Lobkowitz.
Embora a filosofia do quarteto de cordas seja um conjunto de quatro solistas sem hierarquia entre eles, ainda é notório, em Haydn, o destaque dado ao primeiro violino. Em praticamente toda a obra, o primeiro violino faz os solos enquanto os outros três instrumentos fazem ritmo bem marcado e a harmonia.
O Quarteto op. 77 no. 1 possui quatro movimentos:
- Allegro:
Em 2/2, começa com um tema em ritmo de marcha, bem marcado. Este tema inicial se faz presente durante todo o movimento, sempre com algumas variações; - Adagio:
Também é em 2/2 e apresenta um ritmo marcado, mas, diferentemente do movimento precedente, bastante melodioso. É uma forma sonata monotemática. Deve se observar que no início é apresentado um tema em uníssono e, no fim do movimento, o tema reaparece um tom mais agudo e harmonizado, dando um efeito de grande beleza; - Menuetto:
É um eletrizante scherzo com tempo presto. Devem-se observar as mudanças de registro do violino, que atinge regiões bastante agudas para depois cair três oitavas; - Finale (Presto):
Em 2/4, começa com a exposição de um tema em uníssono. Evoca uma dança de roda, o kolo. Novamente, estamos diante de uma forma sonata monotemática. Aqui, o virtuosismo está nitidamente presente e o violino atinge seu registro mais agudo. O papel principal continua com o primeiro violino, mas, neste movimento, a participação dos outros instrumentos aumenta consideravelmente em relação aos precedentes.
Beethoven: Quarteto de Cordas No. 15 em La menor (Op. 132).
A produção de quartetos de cordas de Beethoven pode ser separada em três períodos bem distintos entre si, tanto temporal quanto estilisticamente. Como Haydn, Beethoven não se dedicou continuamente à composição de quartetos de cordas. Ainda como Haydn, ele só se dedicou mais a esse gênero em seus anos finais.
Os dezesseis quartetos de corda (mais a Grande Fuga) de Beethoven podem, portanto, ser agrupados em três grupos:
- Primeiros quartetos (1798-1800): Os seis quartetos Op. 18, onde a herança de Haydn e Mozart ainda está bastante presente;
- Quartetos do período intermediário (1806-1810): Op. 59, 74 e 95, totalizando cinco quartetos.
- Últimos quartetos (1822-1826): op. 127, 130, 131, 132, 133 e 135, o que corresponde aos cinco últimos quartetos e à Grande Fuga. É esta a fase onde Beethoven já está maduro e compõe de maneira inovadora, levando o quarteto de cordas a um nível de sofisticação que perdura até os dias de hoje.
A tonalidade usada, lá menor, é bastante rara na obra de Beethoven. Dentre as tonalidades menores, o lá praticamente inexiste nas composições beethovenianas. Ao longo dos cinco movimentos do quarteto, a tonalidade percorre o trajeto lá menor - lá maior - fá maior - lá maior - la menor.
São cinco os movimentos:
- Assai Sostenuto e Allegro: em lá menor, em 2/2 e 4/4 respectivamente. O primeiro movimento começa com uma fórmula-questão (que é o primeiro tema) introduzida pelo cello. Para Romain Rolland, "o enigma proposto pela Esfinge ao novo Édipo". Sem pretender desvendar o enigma de Rolland, mas 'apenas' entender e apreciar a música de Beethoven, observamos que após essa introdução lenta, tem início uma seção onde o primeiro violino faz um solo bastante frenético. Logo em seguida, é introduzido o tema principal (segundo tema) pelo cello, seguido pelo primeiro violino e repetido em diálogo por todos os instrumentos. Após compassos bastante ritmados, a exposição tem fim. O forte dá lugar ao piano e o cello retoma o primeiro tema (a fórmula-questão). Aqui tem início o primeiro desenvolvimento (sobre o primeiro tema). Em seguida, temos um segundo desenvolvimento, sobre o segundo tema. Neste verdadeiro campo de batalha chamado 'desenvolvimento', embora o primeiro tema tente resistir, ressurgindo vez ou outra (muitas vezes só metade dele), o segundo tema, o tema principal, sai vitorioso.;
- Allegro ma non tanto: em la maior, é um scherzo em 3/4. Esse movimento é uma preparação para o belo e profundo terceiro movimento;
- Molto Adagio: Cântico sacro de agradecimento de um convalescente à divindade, no modo lídio. Em fá maior lídio e 4/4. A epígrafe se deve ao fato de que Beethoven adoeceu entre março e maio de 1825 e, por isso, teve que interromper a composição do quarteto nesse período. O belíssimo e longo movimento (cerca de 20 minutos) possui cinco seções: é do tipo A B A B A, onde A é o molto adagio, um coral, e B, o andante. No início do movimento, os instrumentos entram sucessivamente, dando a impressão de uma fuga. Porém, as repetições exatas só ocorrem, em geral, nas duas primeiras notas. Logo o movimento apresenta uma seção mais rápida, um andante que traz a menção cuja tradução é "experimentando uma nova força" e celebra o retorno à vida. Logo retorna o molto adagio e depois novo andante, dessa vez "com o sentimento mais íntimo";
- Alla Marcia, assai vivace: em lá maior e 4/4, não possui um tema muto elaborado, porém grande riqueza na mudança de andamento e dinâmica;
- Allegro Appassionato: um rondó em lá menor (com uma conclusão em lá maior) e 3/4.
Youtube:
Quarteto Alban Berg tocando o Opus 18 n. 1 de Beethoven;
Terceiro movimento do Quarteto Opus 132 de Beethoven pelo Quarteto Budapeste;
Haydn Quarteto Opus 77 n. 1 pelo Quarteto de Cordas St. Lawrence;
Referências:
Informações sobre o concerto no site do Cultura Artística;
Allmusic;
Movimento.com.
Um comentário:
O bis do segundo concerto (quinta-feira) merece destaque: a lindíssima Cavatina -- quinto movimento do quarteto op. 130 de Beethoven!
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