quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Prokofiev - Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 (OSESP e Lilya Zilberstein, 16 a 18 de outubro)

Nesta semana, sob a regência de John Neschling, a pianista russa Lilya Zilberstein, juntamente com a OSESP, apresentará o Terceiro Concerto Para Piano em Dó Maior, o opus 26 de seu conterrâneo Sergei Prokofiev (1891-1953). Traz-nos grande expectativa o concerto desta semana, já que Lilya Zilberstein, além de russa, é aluna e pupila daquela que é uma das maiores intérpretes deste concerto para piano: Martha Argerich -- ela, aliás, tem tamanha intimidade com o concerto que o considera fácil. Além disso, é forte o sangue russo na orquestra, uma vez que muitos de seus componentes vêm da Rússia.
Recomendamos o vídeo do Concerto para Piano n. 3 existente no Youtube, com Martha Argerich e a Orquestra Filarmônica de Berlin, sob a regência de Claudio Abbado.

O Concerto n. 3 para Piano em Dó Maior op 26 teve sua estreia em Chicago em 1921. Não alcançou sucesso imediato nos Estados Unidos, onde Prokofiev morava na época. Ao contrário: só após ter sido executado na Europa popularizou-se e hoje é o concerto mais conhecido e tocado do compositor. Com forte influência de Beethoven, sobretudo do Primeiro Concerto para Piano, e do pianismo de Czerny, também há traços de Rachmaninov e melodias típicas russas. Figura, sem dúvida, entre os mais importantes concertos para piano do repertório da música ocidental.

Primeiro Movimento: Allegro.
Começa com um andante, um prólogo, onde a clarineta introduz apresenta o tema principal (o primeiro tema): uma melodia russa. Após uma modulação, entra a orquestra com galopes no estilo Czerny: é esse o segundo tema. O terceiro tema entra com ritmo bem marcado e acompanhado por percussão.

Segundo Movimento: Andantino con Variazonin
Neste movimento, o tema, uma gavota, introduzido pela flauta logo no início, é sempre lembrado, porém com certa liberdade, sem que o compositor tenha se tornado escravo dele. A cada variação há uma modificação do tema.
Variação 1 (Istesse tempo): o piano tem o tema, porém com uma harmonia no estilo de Gershwin, provavelmente um reflexo das influências a que estava submetido nos Estados Unidos.
Variação 2 (allegro): aqui o tema está com o trompete.
Variação 3 (allegro moderato): o tema está com a orquestra. Enquanto isso, o piano apresenta movimentos ininterruptos com acentos nos contra-tempos e as duas mãos seguindo paralelamente -- característica do pianismo de Prokofiev.
Variação 4 (andante meditativo): o piano lembra o tema mas também apresenta movimentos descendentes cromáticos. O clima criado aqui é semelhante ao criado por Rachmaninov nas Variações sobre um Tema de Paganini, na 17a variação, preparando a famosa 18a variação.
Variação 5 (allegro giusto): enquanto o tema é tocado pelos violinos o piano faz movimentos ascendentes que se intensificam.

Terceiro Movimento: Allegro ma non troppo.
O clima é bastante parecido com o do primeiro movimento. A forma é A-B-A, havendo, contudo, subdivisões internas nos temas. O tema A é bastante ritmado. Uma melodia lírica bastante russa introduz B, mas o clima é logo quebrado pela flauta que como que reproduz, repetidas vezes, algo que pode ser o canto, quase grito, de algum pássaro. Volta logo uma melodia pastoral na orquestra. O piano, porém, ao mesmo tempo toca outro tema que nada tem de pastoral, ao contrário, é obsessivo. Esse tema pastoral faz lembrar bastante Rachmaninov.

sábado, 4 de outubro de 2008

Szymanowski - Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 (OSESP, 09 a 11 de outubro)

Nesta semana, a OSESP executará a Sinfonia n. 4 para piano e orquestra op. 60 do compositor e pianista Karol Szymanowski (1882-1937).

Homem ucraniano e músico polonês, Szymanowski tem sua obra dividida em três fases: romântica, impressionista e popular (no sentido de usar elementos populares, folclóricos, da Polônia em suas composições). É à última fase que pertence a Sinfonia n. 4. Nesta fase, e particularmente na sinfonia, o cromatismo presente na fase anterior dá lugar ao diatonismo. As influências de Stravinski e Prokofiev podem ser notadas.

Dedicada a Arthur Rubinstein, a Sinfonia n. 4 "Sinfonia Concertante" para piano e orquestra estreou no dia 09 de outubro de 1932 -- portanto, a 'estreia' com a OSESP marcará exatamente o aniversário de 76 anos da peça -- sob a regência de Gregor Fitelberg. Escrita pelo pai da música moderna na Polônia, não podemos esperar uma sinfonia tonal nos moldes convencionais.

No Youtube:
Para conhecer outras obras de Szymanowski:
Estudo para Piano op. 4 n. 3 (por Scott Meek)


Concerto para Violino n. 1


Karol Szymanowski na Wikipedia
Polish Music Center: Karol Szymanowski

http://www.culture.pl/en/culture/artykuly/dz_szymanowski_4_symfonia

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Brahms - Réquiem Alemão (OSESP, 02 a 04 de outubro)

No próximo fim de semana, na Sala São Paulo, a OSESP, sob a regência de ninguém menos que Helmuth Rilling, apresentará o Réquiem Alemão, de Johannes Brahms. Como solistas teremos a soprano Sylvia Schwartz e o barítono Michael Nagy

O maravilhoso Réquiem Alemão (Ein Deutsches Requiem), opus 45 de Johannes Brahms (1833-1897), se distingue dos requiens tradicionais, compostos na forma das já extintas missas de mortos, justamente por não seguir a liturgia de tais missas. Ao contrário, o Requiem Alemão se utiliza trechos do Antigo e do Novo Testamentos, segundo a tradução luterana para o Alemão, sem qualquer preocupação litúrgica.
A tradução para o português, paralelamente ao original em alemão, pode ser encontrada em
http://www.musicaeadoracao.com.br/obras/requiem_brahms_traducao.htm

Composto entre 1865 e 1868, o Requiem teve sua estréia na Sexta-Feira Santa 12 de abril de 1868, sob a regência do próprio compositor, na Catedral de Bremen. Nessa ocasião, contudo, o quinto movimento ainda não havia sido composto. Esse movimento, para soprano e coro, é um tibuto do compositor à memória de sua mãe, morta em 1865.
Para orquestra, coro, soprano e barítono, o Réquiem possui sete movimentos e duração aproximada de 75 minutos -- o que faz dele a maior composição de Brahms.
A partitura e midis podem ser encontrados em
http://www.cpdl.org/wiki/index.php/Ein_deutsches_Requiem,_Op._45_(Johannes_Brahms)

Patrick Tuck, em sua dissertação Brahms' Ein Deutsches Requiem: Dialetic and the Chromatic Middleground, observa que os três movimentos do Réquiem que se iniciam em tonalidade menor -- a saber: segundo, terceiro e sexto -- sofrem uma mudança para a tonalidade maior correspondente, justamente quando o letra, que falava da mortalidade, passa a falar da salvação eterna, que só pode ser alcançada com a morte e ressurreição. Já os outros quatro movimentos (primeiro, quarto, quinto e sétimo) começam e terminam em tonalidade maior.

1. Primeiro Movimento - Coro e orquestra.

Bem-aventurados os que sofrem aflições,
porque serão consolados.
(Mateus 5:4)

Os que com lágrimas semeiam,
com alegria colherão.
Vão andando e chorando
quando levam a nobre semente,
mas voltam com alegria
trazendo os seus feixes.
(Salmos 126:5-6)

O primeiro movimento se inicia sombrio: cellos e violas dão o tom grave, enquanto violinos, trompetes e outros instrumentos com um timbre mais claro se omitem. Merece atenção a entrada do coro: "Selig sind", três notas em dois intervalos ascendentes. Essa célula de três notas se repete em outras partes da obra, dando um indício de unidade. Os dois intervalos ascendentes dão a sensação de ascensão no momento em que se fala "Bem-aventurados". Já no início da próxima estrofe do coro, fala-se "Os que com lágrimas semeiam" e os dois intervalos anteriores aparecem em ordem inversa, isso é, descendente, em "mit Tränen", como lágrimas caindo sobre as sementes. Deve-se observar, ainda, que todas as vezes em que o texto é "werden mit Freuden" ("com alegria colherão"), há um crescendo, de modo que a palavra Freuden (alegria) é acentuada. Porém, em nenhum momento, o tom sombrio do movimento é abandonado.

2. Segundo Movimento - Coro e orquestra

Porque toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca, e a flor cai.
(I Pedro 1:24)

Assim, então, sede pacientes, queridos irmãos,
até a vinda do Senhor.
Olhai o lavrador que espera
o estimado furto da terra
e é paciente na espera,
enquanto recebe a chuva da manhã e da tarde.
Assim então, tende paciência.
(Tiago 5:7)

Pois toda carne é como a erva
e toda a glória do homem
é como as flores do campo.
A erva seca
e a flor cai.
Mas a palavra do Senhor perdura eternamente.
(I Pedro 1:24-25)

Os resgatados do Senhor voltarão,
e virão a Sião com júbilo;
eterna alegria estará sobre suas cabeças;
Alegria e felicidade estarão com eles,
e a dor e o pranto deles fugirá.
(Isaías 35:10)

No segundo movimento os instrumentos omitidos no primeiro (violino, trompete, etc) se juntam à orquestra. O movimento começa pesado, com um tempo bem marcado pelo tímpano e a predominância dos naipes masculinos no coro. Esse clima marca toda a primeira estrofe, que transmite as duras advertências de Pedro. Já na segunda estrofe, as palavras doces e consoladoras de Tiago são entoadas com uma melodia leve e doce, onde prevalecem os naipes femininos. Em seguida, repete-se a primeira estrofe, retornando o clima inicial, de advertência. Esse clima dura até a última frase de Pedro: "Aber des Herrn Wort bleibet in Ewigkeit", ou seja, "Mas a Palavra do Senhor perdura eternamente". Neste ponto, ocorre a mudança de tonalidade de menor para maior. Essa mudança é seguida por um forte, enquanto se faz a promessa “Die Erlöseten des Herrn” ("Os resgatados do Senhor voltarão e virão a Sião com júbilo"). O movimento termina, portanto, com um clima bem diferente do início sombrio.

3. Terdeiro Movimento - Barítono, coro e orquestra.

Senhor, mostra-me, então, que devo ter um fim,
que minha vida tem um objetivo, e que devo cumpri-lo.
Eis, meus dias são como um palmo para Ti,
e minha vida é nada diante de Ti.
Ah, todos os homens são como o nada,
e, contudo, vivem tão seguros!
Eis que desaparecem como uma sombra
e, entretanto, preocupam-se em vão;
armazenam e não sabem quem o recolherá.
Então, Senhor, quem poderá consolar-me?
Eu espero em ti.
(Salmos 39:4-7)

As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta.
(Sabedoria 3:1)

O terceiro movimento se inicia com o solo do barítono entoando uma prece que é, em seguida, reforçada pela repetição do coro. Esse mecanismo se repete algumas vezes durante toda a primeira parte deste movimento. O clima de súplica marca o início do terceiro movimento e se mistura a um clima de reflexão.
A mudança de caráter do movimento coincide com a mudança da tonalidade menor para a maior, que se dá quando o coro canta "Ich hoffe auf dich", ou seja, "Eu espero em Ti". O clima de súplica/reflexão dá lugar a um de júbilo e esperança, com o coro executando uma fuga, enquanto canta a promessa "Der Gerechten Seelen sind in Gottes Hand, und keine Qual rühret se an" ("As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum padecimento lhes afeta"). Assim termina, também este movimento, de forma bem diferente da que apresentava em seu início.

4. Quarto Movimento - Coro e orquestra.
Que amáveis são as tuas moradas,
Senhor dos Exércitos!
Minha alma anela e suspira
pelas ante-salas do Senhor,
meu corpo e minha alma alegram-se
no Deus vivo.
Bem-aventurados os que na tua casa habitam,
que te louvam eternamente.
(Salmos 84:1-2 e 4)
O quarto movimento é bem mais leve e delicado que os precedentes. Como que querendo demonstrar os suspiros da alma na Casa do Senhor, a única alteração ocorre com a presença de uma fuga, no final, para ilustrar o louvor eterno: "die loben dich immerdar".

5. Quinto Movimento - Soprano, coro e orquestra.

Agora estais em tristeza,
mas voltarei a ver-vos
e vosso coração regozijar-se-á
e a vossa alegria ninguém poderá tirar .
(João 16:22)

Vede:
Tive um breve tempo
no qual labutei e trabalhei,
e encontrei um grande consolo.
(Eclesiástico 51:27)

Consolar-vos-ei
como uma mãe consola.
(Isaías 66:13)

Conforme já foi observado anteriormente, o quinto movimento é uma clara homenagem à mãe de Brahms. A doce melodia cantada pela soprano, bem como a letra da melodia, trazem à mente a figura da mãe. O movimento termina com várias repetições da promessa da mãe: voltarei a ver-vos ("wieder sehen").

6. Sexto Movimento - Barítono, coro e orquestra

Como aqui carecemos de morada permanente,
mas buscamos a futura.
(Hebreus 13:14)

Eis, eu vos revelarei um segredo:
nem todos dormiremos,
mas todos seremos transformados;
e isto de repente, num piscar de olhos,
no momento da última trombeta.
Porque a trombeta soará,
os mortos ressuscitarão incorruptíveis
e nós seremos transformados.
Então, se cumprirá a palavra
que está escrita:
A morte é tragada na vitória.
Morte, onde está o teu aguilhão?
Inferno, onde está a tua vitória?
(I Coríntios 15:51-52 e 54-55)

Senhor, Tu és digno
de receber a glória, a honra e o poder,
pois Tu criaste todas as coisas,
e pela tua vontade existem
e foram criadas.
(Apocalipse 4:11)

Ao contrário do terceiro movimento, quem inicia o sexto é o coro, e não o barítono. Este só entra no momento de revelar o segredo "Sieh, ich sage euch ein Geheimnis:". Neste movimento está presente a última batalha entre vida e morte e é anunciada a vitória da Vida.
A mudança de Dó menor para Dó maior ocorre enquanto se canta "Herr, du bist würdig zu nehmen Pries und Ehre und Kraft" ("Senhor, Tu és digno de receber a glória, a honra e o poder"). Com este mesmo texto, é feita uma fuga, celebrando a glória de Deus. Evidentemente, já que se trata de um movimento que se iniciou em tom menor e terminou em maior, há uma nítida mudança de clima. O início sóbrio deu lugar à celebração do final.

7. Sétimo Movimento - Coro e orquestra
Bem-aventurados os mortos
que, desde agora, morrem no Senhor.
Sim, o Espírito diz
que repousem do seu trabalho,
pois as suas obras os acompanham.
(Apocalipse 14:13)
No sétimo movimento, prevalece o piano. Delicado, lembra o descanso dos mortos com suas boas-obras. Neste movimento reaparece a bem-aventurança (Selig), retomando o tema do primeiro movimento, porém, aqui, os bem-aventurados são os que morreram no Senhor, não mais os que sofrem aflições. Aqui, as aflições já deram lugar ao consolo e ao descanso eternos. O Réquiem termina justamente com a palavra com a qual se iniciou: Bem-aventurados, Selig!

Felizes somos também nós, pelo privilégio de podermos ouvir peça tão inspirada como essa!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Beethoven Sonata para Piano n.14 em dó# menor op 27-2 (Ao Luar) - Leif Ove Andsnes (29 e 30 de setembro)

Nos dias 29 e 30 de setembro, o aclamado pianista norueguês Leif Ove Andsnes irá se apresentar, pelo Mozarteum Brasileiro, na Sala São Paulo, em recital de piano. No repertório teremos Schubert, com a Sonata para piano n. 19 D 958, Beethoven com a Sonata n.14 e Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky.

A Sonata número 14 op 27-2 de Beethoven, conhecida como “Sonata ao Luar”, foi composta em 1801 e publicada em março de 1802. Faz parte, portanto, no período classificado com “primeira maturidade” de Beethoven. Como se sabe, o título não foi dado por Beethoven, mas sim pelo poeta Ludwig Rollstab. Segundo ele, a música o remetia a uma cena noturna, em um lago, sob o luar. Curiosamente os contemporâneos de Beethoven já haviam dado outro nome à sonata. Para eles, Beethoven a escrevera sob um caramanchão e por isso a chamaram de “Sonata do Caramanchão”. A dedicatória da obra também possui uma história que ajuda a dar asas à imaginação daqueles que se encantam com as histórias de amores frustrados que cercam a sonata. Originalmente ela parece ter sido dedicada à Princesa Josefina von Liechtenstein, exatamente como a sonata op 27-1. Porém houve uma alteração: a peça está dedicada à jovem aluna de Beethoven, Giulietta Guicciardi, com quem o compositor teve um breve romance.
Beethoven intitulou o opus 27 de “Quasi una Fantasia”. Isso revela o sentimento de improvisação, principalmente do primeiro movimento da Sonata ao Luar, que, além de não obedecer a nenhuma forma, tem um início que parece uma suave improvisação. O caráter de fantasia se revela, ainda, na pluralidade de tempos, versatilidade tonal e no fato de não haver intervalo entre os movimentos: em uma fantasia há inúmeras seções com características diversas.
Segundo testemunho do próprio Beethoven em carta, o famoso primeiro movimento – Adagio -- nasceu de um improviso durante o velório de um amigo. Isso justifica o seu estilo de marcha fúnebre. No início do movimento encontram-se duas indicações. A primeira é “sempre pp”. A segunda é “delicatissimamente senza sordini”. O sem surdina significa que, se a sonoridade dos pianos de hoje fosse a mesma daqueles de 1801, o primeiro movimento deveria ser tocado com o pedal direito pressionado. Com nossos pianos de hoje, porém, seguir tal indicação não significaria tocar a obra de forma mais fiel, mas sim embolar todos os sons, tirando-lhe o sentido. Hoje em dia, é missão do pianista saber a hora de pisar no pedal, bem como a hora de soltá-lo. Neste movimento fazem-se notar, pela primeira vez na obra de Beethoven, traços românticos.

Mais informações no site do Mozarteum

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Schumann Kinderszenen (Cenas Infantis) - Polly Ferman (26/08 no CCBB)

(...) existem momentos onde eu rebento música. Mas, antes que me esqueça, deixa-me dizer-te que compus outra coisa. Talvez seja um eco do que me disseste uma vez, que ‘por vezes te parecesse uma criança’. Por isso, fiquei subitamente cheio de inspiração e escrevi uma trintena de pequenas peças donde extrai doze e chamei-lhes ‘Cenas de Infância’.

Carta de Schumann a Clara, in Michel Schneider, Musiques de Nuit, Edition Odile Jacob, Paris 2001


A pianista uruguaia residente em Nova Iorque Polly Ferman fará, no Centro Cultural Banco do Brasil, um recital com músicas das américas (Gershwin, Piazzolla, Nazareth, Villa-Lobos etc, sua especialidade) e a obra que aqui destacamos: Kinderszenen, ou Cenas Infantis, de Schumann. Talvez o compositor alemão Robert Schumann (1810-1856) seja mais popular pelos fatos que marcaram sua vida, cercada por histórias paixão e loucura, do que por sua música. Em se tratando de um compositor pertencente ao grupo que inaugurou o romantismo na música, tal 'injustiça' acaba nos trazendo algum proveito.
Schumann teve como seus contemporâneos figuras como Chopin, Liszt, Menelssohn e, claro, Brahms.
As Cenas Infantis (Kinderszenen) op. 15 foram compostas em 1838, pouco tempo antes do seu casamento com Clara (1840). É uma peça onde está presente o lado lírico e extremamente sensível de Schumann. No trecho da carta a Clara transcrito no início deste tópico, Schumann menciona a obra e atribui a 'inspiração' por a ter composto ao 'eco' de uma frase dela sobre o lado infantil que por vezes se revela nos adultos.

As partes das Cenas Infantis são:

1. Von fremden Ländern und Menschen / De povos e terras distantes.
2. Kuriose Geschichte / História curiosa
3. Haschemann /Jogo da cabra-cega
4. Bittendes Kind /Desejo de criança
5. Glückes genug /Completamente feliz
6. Wichtige Begebenheit /Grande acontecimento
7. Träumerei /
8. Am Kamin /À lareira
9. Ritter vom Steckenpferd /Cavaleiro do cavalo de pau
10. Fast zu ernst /Quase demasiado sério
11. Fürchtenmachen /Assustar
12. Kind im Einschlummern /Criança a adormecer
13. Der Dichter spricht /O poeta fala


A primeira peça apresenta o tema principal, no qual estão baseados os motivos presentes nas outras peças.

Não faltam, nas prateleiras das boas lojas, gravações das Kinderszenen! Grandes pianistas como Vladimir Horowitz, Marta Argerich, Guiomar Novaes, Nelson Freire etc já tocaram em recitais e registraram a obra.
A obra é uma das pérolas do romantismo e da música pianística!

Referências:
Coleção Folha de Música Clássica;
BonaMusica;

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Quarteto Alban Berg - concerto de despedida (02 e 03 de julho)


É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
(Alberto Caeiro)

Antes de encerrar a brilhante carreira de 37 anos, o Quarteto Alban Berg passa pelo Teatro Cultura Artística, nos dias 02 e 03 de julho, para se despedir do público paulistano. Será este o acontecimento da semana e, certamente, um dos acontecimentos do ano na vida musical de São Paulo. No programa, igual nos dois dias, estão o Quarteto Opus 77 n. 1 de Haydn, o Quarteto Opus 3 de Alban Berg e o Quarteto n. 15 Opus 132 de Beethoven.

O Quarteto

O Quarteto Alban Berg fez sua estreia em 1971 na Konzerthaus de Viena, onde possui uma série própria de concertos.
Sua formação original era:

- Günter Pichler (1º violino);
- Klaus Maetzl (2° violino);
- Hatto Beyerle (viola);
- Valentin Erben (cello).

Eram todos membros de uma orquestra de câmara de Viena. A primeira mudança na formação do quarteto ocorreu em 1978, quando o segundo violino passou das mãos de Maetzl para as de Gerhard Schulz. O posto de violista sofreu duas alterações: em 1981 Thomas Kakuska substituiu Beyerle. Porém, com seu falecimento aos 64 anos em 2005, vítima de câncer, sua aluna Isabel Charisius foi por ele indicada para assumir o posto. Portanto, a formação atual é:

- Günter Pichler (1º violino);
- Gerhard Schulz (2° violino);
- Isabel Charisius (viola);
- Valentin Erben (cello).

Com vasta e premiada discografia abrangendo de Mozart a Berg, são célebres as gravações dos integrais de Beethoven, Brahms e Bartók. Vale observar que as três peças que serão apresentadas no concerto foram gravadas pelo quarteto.


Haydn: Quarteto em Sol maior Op. 77 No. 1.

Joseph Haydn (1732-1809) foi um dos primeiros compositores a compor para quarteto de cordas. Na verdade, em um fato que se repete inúmeras vezes na história das ciências e das artes desafiando nossa curiosidade e nosso entendimento, Haydn concebeu o quarteto de cordas por volta de 1760, na mesma época em que Boccherini, independentemente, também começou a compor para o gênero.
Utilizando-se uma das diversas formas de se classificar e contar a produção de Haydn, pode-se afirmar que ele compôs 68 quartetos de cordas. Diferentemente do que ocorreu com as sinfonias, Haydn não se dedicou continuamente à composição de quartetos. Ao contrário, eles foram compostos, entre 1757 e 1785, em blocos isolados e separados por intervalos de anos uns dos outros. Entre 1787 e 1803, porém, ele passa a produzir quartetos com maior continuidade.
É a essa fase final, de maior dedicação à composição de quartetos, que pertencem os quartetos do opus 77. Composto em 1799 e publicados em 1802, o opus 77 era destinado ao príncipe Lobkowitz e deveria conter uma série de seis quartetos. Porém, outras composições interromperam seu trabalho, de modo que o opus ficou apenas com dois quartetos. É interessante notar que na mesma época em que os quartetos op. 77 eram compostos e publicados, Beethoven iniciava a sua produção de seus primeiros quartetos com o op. 18, também dedicado ao príncipe
Lobkowitz.
Embora a filosofia do quarteto de cordas seja um conjunto de quatro solistas sem hierarquia entre eles, ainda é notório, em Haydn, o destaque dado ao primeiro violino. Em praticamente toda a obra, o primeiro violino faz os solos enquanto os outros três instrumentos fazem ritmo bem marcado e a harmonia.

O Quarteto op. 77 no. 1 possui quatro movimentos:
  1. Allegro:
    Em 2/2, começa com um tema em ritmo de marcha, bem marcado. Este tema inicial se faz presente durante todo o movimento, sempre com algumas variações;
  2. Adagio:
    Também é em 2/2 e apresenta um ritmo marcado, mas, diferentemente do movimento precedente, bastante melodioso. É uma forma sonata monotemática. Deve se observar que no início é apresentado um tema em uníssono e, no fim do movimento, o tema reaparece um tom mais agudo e harmonizado, dando um efeito de grande beleza;
  3. Menuetto:
    É um eletrizante scherzo com tempo presto. Devem-se observar as mudanças de registro do violino, que atinge regiões bastante agudas para depois cair três oitavas;
  4. Finale (Presto):
    Em 2/4, começa com a exposição de um tema em uníssono. Evoca uma dança de roda, o kolo. Novamente, estamos diante de uma forma sonata monotemática. Aqui, o virtuosismo está nitidamente presente e o violino atinge seu registro mais agudo. O papel principal continua com o primeiro violino, mas, neste movimento, a participação dos outros instrumentos aumenta consideravelmente em relação aos precedentes.

Beethoven: Quarteto de Cordas No. 15 em La menor (Op. 132).


A produção de quartetos de cordas de Beethoven pode ser separada em três períodos bem distintos entre si, tanto temporal quanto estilisticamente. Como Haydn, Beethoven não se dedicou continuamente à composição de quartetos de cordas. Ainda como Haydn, ele só se dedicou mais a esse gênero em seus anos finais.
Os dezesseis quartetos de corda (mais a Grande Fuga) de Beethoven podem, portanto, ser agrupados em três grupos:
  1. Primeiros quartetos (1798-1800): Os seis quartetos Op. 18, onde a herança de Haydn e Mozart ainda está bastante presente;
  2. Quartetos do período intermediário (1806-1810): Op. 59, 74 e 95, totalizando cinco quartetos.
  3. Últimos quartetos (1822-1826): op. 127, 130, 131, 132, 133 e 135, o que corresponde aos cinco últimos quartetos e à Grande Fuga. É esta a fase onde Beethoven já está maduro e compõe de maneira inovadora, levando o quarteto de cordas a um nível de sofisticação que perdura até os dias de hoje.
"É uma das obras mais dignas do meu nome", afirmou Beethoven sobre o quarteto 15 Op. 132. A composição deste quarteto teve início em 1823 (o que deveria fazer dele o 13° e não o 15° quarteto) e se extendeu até 1825. A estéia ocorreu em 9 de setembro do mesmo ano em Viena, obtendo grande sucesso, e sua publicação data de 1827.
A tonalidade usada, lá menor, é bastante rara na obra de Beethoven. Dentre as tonalidades menores, o lá praticamente
inexiste nas composições beethovenianas. Ao longo dos cinco movimentos do quarteto, a tonalidade percorre o trajeto lá menor - lá maior - fá maior - lá maior - la menor.
São cinco os movimentos:
  1. Assai Sostenuto e Allegro: em lá menor, em 2/2 e 4/4 respectivamente. O primeiro movimento começa com uma fórmula-questão (que é o primeiro tema) introduzida pelo cello. Para Romain Rolland, "o enigma proposto pela Esfinge ao novo Édipo". Sem pretender desvendar o enigma de Rolland, mas 'apenas' entender e apreciar a música de Beethoven, observamos que após essa introdução lenta, tem início uma seção onde o primeiro violino faz um solo bastante frenético. Logo em seguida, é introduzido o tema principal (segundo tema) pelo cello, seguido pelo primeiro violino e repetido em diálogo por todos os instrumentos. Após compassos bastante ritmados, a exposição tem fim. O forte dá lugar ao piano e o cello retoma o primeiro tema (a fórmula-questão). Aqui tem início o primeiro desenvolvimento (sobre o primeiro tema). Em seguida, temos um segundo desenvolvimento, sobre o segundo tema. Neste verdadeiro campo de batalha chamado 'desenvolvimento', embora o primeiro tema tente resistir, ressurgindo vez ou outra (muitas vezes só metade dele), o segundo tema, o tema principal, sai vitorioso.;
  2. Allegro ma non tanto: em la maior, é um scherzo em 3/4. Esse movimento é uma preparação para o belo e profundo terceiro movimento;
  3. Molto Adagio: Cântico sacro de agradecimento de um convalescente à divindade, no modo lídio. Em fá maior lídio e 4/4. A epígrafe se deve ao fato de que Beethoven adoeceu entre março e maio de 1825 e, por isso, teve que interromper a composição do quarteto nesse período. O belíssimo e longo movimento (cerca de 20 minutos) possui cinco seções: é do tipo A B A B A, onde A é o molto adagio, um coral, e B, o andante. No início do movimento, os instrumentos entram sucessivamente, dando a impressão de uma fuga. Porém, as repetições exatas só ocorrem, em geral, nas duas primeiras notas. Logo o movimento apresenta uma seção mais rápida, um andante que traz a menção cuja tradução é "experimentando uma nova força" e celebra o retorno à vida. Logo retorna o molto adagio e depois novo andante, dessa vez "com o sentimento mais íntimo";
  4. Alla Marcia, assai vivace: em lá maior e 4/4, não possui um tema muto elaborado, porém grande riqueza na mudança de andamento e dinâmica;
  5. Allegro Appassionato: um rondó em lá menor (com uma conclusão em lá maior) e 3/4.


Youtube:
Quarteto Alban Berg tocando o Opus 18 n. 1 de Beethoven;
Terceiro movimento do Quarteto Opus 132 de Beethoven pelo Quarteto Budapeste;
Haydn Quarteto Opus 77 n. 1 pelo Quarteto de Cordas St. Lawrence;


Referências:
Informações sobre o concerto no site do Cultura Artística;
Allmusic;
Movimento.com.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Liszt: Concerto para Piano n 1 (OSESP, 29 a 31 de maio)

Nesta semana a OSESP apresentará, sob a regência de Pablo González, o Primeiro Concerto para Piano de Liszt. O solista será o pianista chinês Chun Wang, vencedor do I Concurso Villa-Lobos de Piano, no ano passado.
O húngaro Franz Liszt (1811-1886) foi um notável pianista e compositor de seu tempo, quando ficou conhecido por seus famosos e badalados recitais, onde, para deleite da platéia, exibia toda o seu virtuosismo. Como compositor, Liszt inovou a técnica pianística, explorando o piano de forma bastante vigorosa, e criou peças de difícil execução. Liszt exerceu marcante influência sobre compositores como Wagner, de modo que muitas obras de Liszt podem ser encontrados temas bastantes semelhantes aos usados por Wagner em suas óperas.
Com cerca de apenas 20 minutos, o concerto é conciso, porém completo. Possui quatro movimentos, tocados sem intervalo entre eles: Allegro maestoso, Quasi adagio, Allegretto vivace - Allegro animato e Allegro marziale animato.
O primeiro tema, um motivo que retorna durante todo o concerto, funcionando como elemento de coesão, é apresentado logo no início, pela orquestra, sendo repetido, depois, pelo piano.
Neste concerto, momentos de vigor são intercalados com momentos de grande lirismo -- como, por exemplo, no início do segundo movimento. No primeiro movimento, é de se notar o belo diálogo entre o piano e instrumentos solistas da orquestra: primeiro o clarinete, depois o violino, repetindo o mesmo tema. Ainda sobre o primeiro movimento, uma interessante observação é a forma como termina: com uma escala cromática que deixa a música 'no ar', sem um ponto final. O segundo movimento começa sereno, com cellos e baixos introduzindo um tema que é, em seguida, repetido pelo restante da seção de cordas e retomado pelo piano num longo solo. Um momento de profunda beleza. Em seguida, piano e cordas dialogam. Após mais solo de piano, ele toca ornamentos agudos durante solos das madeiras. O terceiro movimento começa com o triângulo acompanhado por um quarteto de cordas. O uso do triângulo, algo bastante ousado para a época, é empregado até o final da obra. No final são retomados todos os temas apresentados durante o concerto e o tema do segundo movimento volta como uma marcha. Termina de modo vigoroso, com piano e orquestra tocando o último acorde.
Composto pelo virtuose do piano do século XIX e para ser por ele mesmo tocado, o concerto possui passagens de difícil execução, com saltos em que o pianista corre grande risco de incorrer em 'esbarradas' acidentais.
O concerto estreou em Weimar, em 1855, sob a regência de Hector Berlioz e com o próprio Liszt solando.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

César Franck: Sinfonia em ré menor (OSESP, 15 a 17 de maio)

Nesta semana, a OSESP, sob a regência do maestro francês Yan Pascal Tortelier, apresenta um programa dedicado à música francesa: O Corsário de Berlioz, a Sinfonia número 1 de Bizet e a Sinfonia em ré menor de César Franck.
O belga naturalizado francês César Auguste Jean Guillaume Hubert Franck nasceu em 1822 em Liège e morreu em 1890 em Paris. Começou seus estudos musicais aos 8 anos e aos 21 anos, em 1843, já foi publicada sua primeira obra: os trios op. 1.
A Sinfonia em ré menor é a única sinfonia e uma das obras mais conhecidas e tocadas do compositor. Composta entre 1886 e 1888, a sinfonia foi estreada no dia 17 de fevereiro de 1889, no Conservatório de Paris.

Maiores informações:
César Franck - wikipédia (em francês);
Symphonie en ré mineur de César Franck - wikipédia (em francês);

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Saint-Saëns: Concerto para Piano n.5 - Jean-Philippe Collard e OSESP (24 a 26 de abril)

Nesta semana o renomado pianista francês Jean-Philippe Collard interpretará, ao lado da OSESP e sob a batuta do maestro John Neschling, o Concerto para Piano número 5 em Fá Maior de seu conterrâneo Camille Saint-Saëns (1835-1921). Este concerto, o último do compositor francês, foi composto em 1896, 20 anos após o quarto concerto e 25 anos antes da morte do compositor.
Saint-Saëns foi contemporâneo de Brahms, Mahler, Wagner, Liszt (de quem foi amigo), Debussy... e está entre as importantes figuras desse período de transição entre os séculos XIX e XX. Com dois anos o pequeno Camille já começou a 'brincar' no piano que havia em sua casa. Começou a tomar aulas de música com sua mãe e sua tia e em 1846, aos 11 anos, apresentou-se pela primeira vez em público, em Paris. É interessante, ainda, apontar que em 1899 Saint-Saëns esteve no Brasil e fez concertos em São Paulo e no Rio de Janeiro.
O Concerto para Piano n.5 foi composto e estreado por Saint-Saëns para comemorar seus cinquenta anos de carreira, tendo sido bem recebido pelo público e pela crítica.
O nome dado ao concerto de "Egípcio" deve-se ao fato de o concerto ter sido concluído no Egito, na cidade de de Luxor, durante uma das constantes viagens de férias de Saint-Saëns. Além disso, de acordo com o compositor, o tema principal do segundo movimento é uma canção de amor da Núbia que ele ouviu durante uma viagem de barco pelo rio Nilo.
O primeiro movimento, allegro, é marcado por dois temas principais, bastante líricos, e momentos de polifonia. Há uma sitação da ária "Mon coeur s'ouver à ta voix" de sua ópera Sansão e Dalila.
O segundo movimento, apesar de ser um andante, começa com um rufar dos tímpanos, que é seguido intensamente pelos instrumentos da orquestra, bem como pelo piano. Tal introdução abre caminho para a canção egípcia citada acima.
O terceiro movimento é um molto allegro.

Gravações importantes do concerto foram feitas pela nossa Magda Tagliaferro, por Jeanne-Marie Darré e por Jean-Philippe Collard (EMI), que teremos a oportunidade de ouvir ao vivo, na Sala São Paulo.

Referências:
Camille Saint-Saëns - Wikipédia (português);
Piano Concerto n.5 (Saint-Saëns) - Wikipedia (inglês);
Jean-Philippe Collard - Wikipedia (inglês);

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Nepomuceno: Sinfonia em Sol Menor (OSESP, 10 a 12 de abril)


O compositor brasileiro Alberto Nepomuceno nasceu em Fortaleza, em 1864, e morreu no Rio de Janeiro em 1920. No 'caminho' entre Fortaleza e Rio, Nepomuceno passou por Roma, Berlim e Paris, onde estudou e recebeu influência de compositores românticos, sobretudo de Brahms, Wagner e Grieg. Em 1895 regeu um concerto com canções suas, em português, o que gerou polêmica, já que a língua portuguesa não era considerado um idioma adequado para o canto erudito. Nepomuceno rebateu as críticas: "Não tem pátria um povo que não canta em sua língua". A luta pela valorização da música, da língua e de compositores brasileiros fez parte da vida e da carreira de Nepomuceno. Por isso, mesmo em obras onde praticamente não há o traço nacionalista, mas sim o romantismo europeu, como é o caso da única sinfonia compositor, buscam-se, com certo exagero, as tais características nacionalistas.
Nas primeiras notas do primeiro movimento da Sinfonia já se faz notar a presença de Brahms: a obra começa de forma bastante semelhante à Terceira Sinfonia do compositor alemão. Seria grande ingenuidade atribuir tal semelhança a um 'acidente'; uma homenagem ao 'mestre', porém, é uma suposição bastante razoável. Além de Brahms, Wagner também está presente na sinfonia, sobretudo no segundo e no terceiro movimentos. Movimentos rápido e repetitivos com os arcos dos violinos, por exemplo, é uma marca wagneriana. No último movimento encontramos Tchaikovsky. Tudo isso pode transmitir a impressão de que a sinfonia é pouco original e desinteressante. Ao contrário: é uma sinfonia bastante interessante de um compositor que não estava alheio à música que acontecia ao seu redor.
A versão da sinfonia que será apresentada pela OSESP é o resultado de uma reedição coordenada pelo pesquisador da USP, Prof. Rodolfo Coelho de Souza. A reedição foi feita com base nos manuscritos de Nepomuceno. Tal trabalho se mostrou necessário, uma vez que foi constatada a existência de muitos erros nas edições já existentes e feitas, inclusive, sob a suposição da existência de fortes traços nacionalistas na composição. Uma gravação existente que reflete essa tendência é a da Orquestra Sinfônica Brasileira. Na gravação da Orquestra Sinfônica de Campinas, por outro lado, já pode ser ouvida uma obra mais romântica. Será de grande interesse ouvir o resultado da pesquisa e da reedição no concerto deste fim de semana, na Sala São Paulo, sob a batuta de John Neschling.

Referências:
Wikipedia - Alberto Nepomuceno;
Alberto Nepomuceno: http://www.bn.br/fbn/musica/nepo/nepo_lis.htm

sábado, 5 de abril de 2008

Verdi: Falstaff (OSM, 05 a 13 de abril)


Está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo a ópera Falstaff, do compositor italiano Giuseppe Verdi (1813-1901). Em Falstaff, após Macbeth e Otello, Verdi revisita Shakespeare a partir do libretto de Arrigo Boito, que também foi o autor do libretto de Otello, dois anos antes.
Verdi nasceu no mesmo ano de Richard Wagner, também grande compositor de óperas. Em muitas óperas de Wagner pode ser notada certa influência de Verdi. Porém, quando se fala de Falstaff, nota-se a influência no sentido oposto: de Wagner sobre Verdi. Tal influência reflete-se no fato de que esta não é uma ópera na forma até então usual, com abertura, recitativos, árias, coros, sempre bem divididos, dando a oportunidade, sobretudo nas árias, de os solistas mostrarem seus dotes vocais e receberem os aplausos da plateia... Ao contrário, é um contínuo, as ações se sucedem, a música não tem intervalos, não há árias, não há recitativos, praticamente não há solos, não é dado espaço para o virtuosismo dos cantores. A trama se desenvolve, o canto está a serviço do texto e a música tocada pela orquestra está longe de ser mero acompanhamento. Por tudo isso essa ópera de 1893, a última de Verdi, é considerada uma obra-prima.

Uma boa exposição sobre a ópera e a montagem paulistana pode ser encontrada em
http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=2&escolha=5&codigo=3716

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Sir Peter Maxwell Davies: maestro e compositor (OSESP, 03 a 05 de abril)


O maestro e compositor inglês Peter Maxwell Davies é o convidado da OSESP para reger suas próprias obras, além de duas sinfonias que diz serem suas favoritas: a 38 de Mozart ("Praga") e a 22 de Haydn ("O Filósofo", que tem esse nome devido ao diálogo entre o corne inglês e a orquestra). Este concerto segue uma tradição da OSESP: receber um compositor atual a cada temporada.

Peter Maxwell Davies nasceu em 1934 em Salford, na Inglaterra. Estudou música em Manchester, onde foi um dos fundadores de um grupo de música contemporânea.
Nos anos 70, mudou-se, juntamente com seu partner, para as Ilhas Orkney, vivendo em contato com a natureza, que passou a exercer influência sobre seu trabalho.
Ele foi um dos primeiros compositores a ter um site, na internet, com o download de suas composições: MaxOpus, aparentemente desativado.
"Händel de nosso tempo" segundo definição do maestro John Neschling, Maxwell Davies é atualmente o Master of the Queen's Music (Mestre de Música da Rainha da Inglaterra) -- cargo para o qual foi nomeado em 2004 e que deverá exercer até 2014. É ele, portanto, o encarregado de compor as músicas para as festividades reais.
Duas obras de Maxwell Davies estão no programa da OSESP dessa semana: "Concerto Strathclyde nº 10" e "Mavis em Las Vegas". A primeira obra é a conclusão (ou a "celebração", como diz o compositor), de uma série de concertos que fez, nos anos 90, quando era compositor residente da Orquestra de Câmara Escocesa. Cada um desses concertos apresentava um instrumento da orquestra como solista (assim, temos concerto para Oboé, Violoncelo, Trompa e Trompete, Clarinete, Violino e Viola, Flauta, Contrabaixo, Fagote e um grupo de 6 madeiras). Já o Concerto Strathclyde, o último da série, é "um concerto para orquestra, bastante virtuoso, do qual todos os músicos participam ativamente" -- segundo afirmou o compositor em entrevista concedida a João Luiz Sampaio e publicada em "O Estado de São Paulo" de 03 de abril de 2008. Disse, ainda: "A inspiração vem das paisagens, do mar, do ambiente das ilhas Orkney", fato pelo qual se comparou ao nosso Villa-Lobos.
Sobre "Mavis em Las Vegas", Davies contou, na mesma entrevista, que se reporta à turnê que fez com a Filarmônica da BBC pelos Estados Unidos e a um fato ocorrido em Las Vegas, onde ficou hospedado no hotel Flamingo -- todo rosa, "brega", segundo descreveu o compositor -- e teve seu nome registrado, por engano, como "Mavis". Quando um repórter foi procurá-lo para uma entrevista, disseram não haver nenhum Maxwell Davies. O repórter insistiu, dizendo tratar-se de um grande compositor inglês, a que o recepcionista do hotel respondeu: "Se fosse um grande compositor não estaria no hotel Flamingo!". Disse Davies: "achei curioso e fiz uma peça em homenagem aos músicos, recriando suas sensações sobre nossa viagem a Vegas. Os críticos detestaram, mas o público adorou. Um deles me disse que era a música mais brega que já tinha ouvido. Pensando no tema da peça, recebi o comentário como um elogio!" A peça recria, com bom humor e ironia, sons urbanos e a música americana. Logo no início, cita, nitidamente, Um Americano em Paris, de Gershwin. Certamente o inglês nos Estados Unidos entendeu perfeitamente o que o colega americano sentiu ao visitar Paris. A música segue com temas de jazz, órgão de igreja, temas mais líricos, o lado colorido e também o "brega" da cultura americana.
Segundo prometeu o compositor, "Vai ser divertido".

Referências:
Wikipedia: Peter Maxwell Davies;
Entrevista concedida a João Luiz Sampaio (O Estado de São Paulo, 03 de abril de 2008).

quinta-feira, 27 de março de 2008

Prokofiev: "Ivan, O Terrível" (OSESP, 27 a 29 de março)



Nesta semana a OSESP oferece ao público uma jóia da música russa: o oratório Ivan, o Terrível, com música de Sergei Prokofiev (1891-1953).

Ivan IV (1530-1584), conhecido como Ivan Grozny (que significa Ivan, o terrível) foi o primeiro czar russo, quem implantou a autocracia na Rússia, que perdurou até 1917, com a Revolução Russa. Ivan, um dos maiores tiranos da história, teve seu governo marcado pela violência. Homem de fortes crenças religiosas e fascinado pela idéia e por representações do inferno, Ivan se deleitava com a tortura e morte de seus inimigos. Por outro lado, contrastando com o clima de terror, o povo sentia segurança sob a proteção do tirano, uma vez que a Rússia estava cercado
por
vizinhança pouco amigável e era vulnerável a ataques externos.
Quatro séculos mais tarde, a figura de Ivan causava admiração em outro governante sangrento, que também fez reinar um clima de terror sobre a então União Soviética: Stalin. Por essa razão, em 1942 Stalin encomendou ao grande cineastra soviético Sergei Eisenstein, um filme sobre o czar. Já parceiro de Eisenstein em outro filme, Prokofiev foi chamado pelo diretor para fazer a trilha sonora.
Após as mortes de Eisenstein e Prokofiev, o maestro Abram Stásevetch, que regeu a orquestra da trilha sonora do filme, incorporou textos do próprio Eisenstein e de Vladimir Lugovskôi à partitura, transformando-a num oratório. É essa versão que será apresentada pela OSESP.
Quanto à palavra 'oratório', vale observar que, embora tenha nascido, no século XVII, como uma ópera sobre temas religiosos, ao longo da história deixou de ser encenada (já que nem sempre ficava bem encenar temas sacros). Atualmente o termo se refere a uma peça que não precisa ter um tema religioso e é semelhante a uma ópera, porém não encenada.

O Prólogo começa com a abertura e é seguida por uma marcha, retratando o jovem Ivan, com então 13 anos, recebendo os embaixadores estrangeiros. O prólogo é encerrado com o coro cantando: "Darei as ordens sozinho... sem os boiardos.. Serei czar!" (Os boiardos eram uma espécie de senadores).
A Coroação, segunda parte do oratório, se inicia com um Kyrie, seguido por uma tradicional aclamação russa: "Possa ele viver para sempre!"

E segue o oratório, por mais de 70 minutos, revisitando a trajetória de Ivan, o terrível.

Mais informações sobre a vida e a época do primeiro czar:
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/ivan_grozny.htm

quinta-feira, 6 de março de 2008

Mahler - Sinfonia Nº2 (Ressurreição) - OSESP (06 a 08 de março)

Oh, pequena rosa vermelha!
Os homens sofrem grandes necessidades!
Os homens sofrem com grande pena!
Tenho estado longe do Céu.
Vinha por um largo caminho,
Quando um anjinho quis me fazer retroceder.
Oh, não! Deixe-me regressar!
Provenho de Deus e regressarei a Deus!
O Deus misericordioso me dará uma luz,
Para iluminar meu caminho rumo à Glória Eterna!
(4º Movimento, Luz Primordial - Gustav Mahler)



Ressuscitar, sim tu o farás!
Após breve descanso, do pó ressuscitarás!
Vida imortal a ti trará
Aquele que te chamar.

Para reflorescer, serás semeado!
O senhor da colheita caminha
E a nós, agora mortos,
Aos feixes nos recolhe!

Acredite, meu coração, acredite:
Nada perderás!
A ti pertence o que desejas!
É teu, tudo que amas,
Tudo que conquistas!
Acredite,
Não nascestes em vão!
Tampouco em vão a vida e a dor vivestes.
Morre o que nasce!
E Renasce o que morre.
Cesse o tremor!
Prepara-te para a vida!

Oh dor, que a tudo penetra!
De ti consegui escapar!
Oh morte, que a tudo domina!
Agora tu estás subjugada!

Com as asas que conquistei,
No esforço febril de amar,
Desaparecerei na luz,
Jamais vista por algum olhar!

Com as asas que conquistei,
Desaparecerei.
Morrer para viver!

Ressuscitar, sim! Meu coração,
Em um instante ressuscitarás!
O que na luta superas
a Deus conduzirá.
(5º Movimento. Gottlieb Klopstock)

Após uma reforma que traz novidades à Sala São Paulo, a OSESP abre o ano de 2008 com a obra que inaugurou a Sala há 9 anos: a Segunda Sinfonia de Mahler (Ressurreição). A regência fica com o regente titular, John Neschling. As solistas serão a soprano americana Heidi Grant Murphy e a contralto francesa Nathalie Stutzmann.

A Ressurreição é a única sinfonia numerada de Gustav Mahler (1860-1911) que recebeu um título. Sua duração é de aproximadamente 80 minutos e foi concluída, em 1894, como a maior sinfonia da história. Faz uso de grande orquestra, inclusive de músicos nos bastidores, fora do palco.
Chama a atenção, na sinfonia, a escrita contrapontística de Mahler. Muitas vezes, o compositor pensa de forma polifônica e é possível seguir a linha de cada conjunto de instrumentos: cada linha é independente, tem um sentido e é indispensável para o conjunto.
É interessante notar o uso da harpa. As intervenções da harpa são sempre significativas e o uso da região grave do instrumento traz um efeito bastante interessante.
É impossível não associar esta sinfonia, que é a primeira de Mahler a usar o canto de coro e solistas com a Nona Sinfonia de Beethoven.
Faz-se presente a influência não só de Beethoven, mas também de Wagner e Bruckner.
O tema 'Ressurreição' surgiu após Mahler ter ouvido um hino da autoria de
Gottlieb Klopstock.

Movimentos
Primeiro: Allegro Maestroso, segundo Mahler “com expressão profundamente séria e solene”. Sobre a morte, começa com uma marcha fúnebre mas há momentos de grande lirismo;
Segundo: Andante Moderato "sem correr". Pode-se dar especial destaque à melodia tocada pelos cellos quando o tema principal é exposto pela segunda vez. É a lembrança da vida; Terceiro: "Com um movimento flutuante", pediu Mahler. Com tom pessimista, é a dúvida;
Quarto:
“Luz Primordial, bastante solene, mas simples”. Com texto de Mahler (já exposto acima), é a reconquista da esperança;
Quinto: Se inicia com um grito de desespero, que dá lugar a um canto de júbilo. Com texto de Gottlieb Klopstock (ver texto acima), é a ressurreição.

Referências:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinfonia_No._2_(Mahler)
http://opensadorselvagem.org/blog/pqpbach/gustav-mahler-1860-1911-sinfonia-n%c2%ba-2-ressurreicao/
http://www.geocities.com/Vienna/Choir/7652/mahler/2sinfo.htm
http://www.estado.com.br/editorias/2008/03/06/cad-1.93.2.20080306.54.1.xml
David Hurwitz. The Mahler Symphonies: An Owner's Manual. Amadeus Press.